O jovem observador de aves, Rodrigo Pádula, de 12 anos de idade, junto com a mãe, Fernanda Brasil, carrega sua câmera com empenho e dedicação para registrar as aves do condomínio em que mora. Atenção aos movimentos das aves e um olhar direcionado a elas são gestos muito particulares da prática de observação de aves, que, para Rodrigo, evoca um sentimento: “Sinto muita alegria”.
O motivo da alegria, segundo Rodrigo, vem da sensação de avançar nos registros fotográficos das espécies de aves do Brasil, pois, mais do que fotografar as aves, Rodrigo cumpre uma verdadeira missão: o jovem lançou o livro intitulado “Aves do Condomínio Chácara Ipê”, com propósito de conscientizar a sociedade a respeito da importância da preservação das aves.
No livro de Rodrigo, o leitor pode encontrar um material que dispõe da identificação de 100 espécies de aves. A obra teve a colaboração do doutor Edson Guilherme da Silva, professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), referência no assunto de ornitologia, que é a ciência que estuda as aves. Orientado pelo professor para delimitar a identificação das espécies apenas à Chácara Ipê, Rodrigo comenta: “Meu livro ajuda a compreender o que é a avifauna urbana de Rio Branco”.
O talento e dedicação de Rodrigo chamaram a atenção do governador Gladson Cameli que prontamente o recebeu em seu gabinete. A partir deste encontro, o jovem recebeu o apoio do governador para a participação em um evento de observação de aves, o Avistar Brasil.
Para Rodrigo, os horários mais adequados para observar são entre 6h e 12h da manhã e 16h e 17h da tarde. Foto: Alice Leão/Sete
O Avistar Brasil é um encontro brasileiro de observadores de aves que apresenta uma programação com exposições, lançamentos de livros, oficinas, dentre outras atividades sobre o tema. A edição deste ano acontece na Cidade Universitária USP, em São Paulo (SP), entre os dias 17 e 19 de maio, e a Secretaria de Estado de Turismo e Empreendedorismo (Sete) terá equipes representando o Acre.
O titular da Sete, Marcelo Messias, destacou a importância da Sete em participar do evento: “A participação da Sete no Avistar Brasil é extremamente importante para a capacitação da equipe, para buscar oportunidades e modelos para aplicarmos no estado do Acre, para fazermos networking e fortalecermos esse tipo de turismo na região”.
Crescimento visível
No Acre, a prática de observação de aves, também conhecida como birdwatching, tem crescido consideravelmente elevando o estado ao ponto de ser referência no assunto.
Sobre o crescimento da prática de birdwatching no Acre, o professor e doutor em ornitologia, Edson Guilherme da Silva, explica: “Este crescimento está relacionado ao fato de que o Acre possui infraestrutura adequada para receber os observadores de aves de todo o Brasil e também do exterior. Quando falamos de infraestrutura nos referimos a hotéis, veículos, guias e locais adequados para a prática de observação de aves”.
Ao avaliar o potencial do Acre enquanto território de observação de aves, o professor Edson Guilherme comenta como o estado é excelente para a prática, pois apresenta aproximadamente 720 espécies de aves. O professor conta que a Amazônia brasileira apresenta um total de 1.300 espécies. Ou seja, o estado do Acre representa mais de 50% desse total.
Outro ponto importante a ser considerado é a presença de aves endêmicas no Acre, o que significa que são espécies que vivem exclusivamente na região. O Acre fica localizado no Centro de Endemismo Inambari e segundo o livro “Aves do Acre”, escrito por Edson Guilherme, há uma concentração de 23 espécies endêmicas em território acreano.
No Brasil, os observadores têm acesso ao site WikiAves, que é um espaço virtual repleto de registros de imagens e sons das aves, assim como informações sobre elas, entre outras atividades ligadas à prática. Desse modo, os observadores também atuam como colaboradores para o banco de dados das espécies raras e endêmicas.
Outros observadores e histórias
Além do jovem Rodrigo, histórias de outros observadores como a do biólogo e servidor público, Ricardo Plácido, também se desenvolveram na relação com a prática de observação. Ricardo é natural de Recife, vive no Acre há 13 anos e conta que teve seu primeiro contato com pássaros na infância, mas foi na universidade que iniciou os estudos sobre a biologia das aves.
“Eu tive contato com um grupo chamado Observadores de Aves de Pernambuco, que era um clube de pessoas, biólogos ou pessoas comuns, que iam para a natureza para observar pássaros com binóculos, anotar e contemplar os bichos na natureza solta”, conta Ricardo.
No campo da observação de aves, Ricardo considera-se um desbravador: “O meu perfil como observador de aves é justamente de desbravar as espécies raras, pouco conhecidas, e o Acre é um celeiro delas, e tentar torná-las acessíveis para que as pessoas possam vir observar e fotografar essas espécies”, disse o biólogo.
Momentos marcantes
Nas aventuranças destes desbravamentos, Ricardo coleciona memórias cheias de sensações e momentos marcantes. Dentre elas, o biólogo destaca o dia em que se tornou o primeiro brasileiro a encontrar a choca-do-acre, espécie rara que, segundo o Guia de Aves do Parque Nacional da Serra do Divisor, só pode ser contemplada na Serra do Divisor (Acre) e em território peruano.
O encontro aconteceu em 2016 enquanto Ricardo estava fazendo mestrado em Mâncio Lima e decidiu ir até o Parque da Serra do Divisor. O biólogo conta que, até então, só havia conhecimento da existência da espécie na serra a partir de levantamentos do parque, mas não havia registros fotográficos ainda. “A única foto que existia [da choca-do-acre] era no Peru e era uma foto em um lugar remoto que o pesquisador fez lá”, explica Ricardo.
Durante o momento, Ricardo relata a emoção que o tomou ao confirmar que realmente era a choca-do-acre que estava no local: “Me deu um nervosismo, uma tremedeira, assim, que eu fiquei adrenalizado, que eu não consegui fazer fotos e vídeos bons, tudo tremido”.
Assim como Ricardo, o observador de aves e biólogo, Wyllyan Alencar, também coleciona experiências no campo da observação de aves. Wyllyan relata o momento em que encontrou a ave rara, cnipodectes superrufus, conhecida como flautim rufo, durante um guiamento realizado por ele. Ele percebeu que a ave estava fazendo o ninho dela e explica que, até o momento, não havia nenhuma informação científica sobre a feitura de ninhos desta espécie. “Foi um momento marcante também, é um achado para a ciência e, a partir dali, a gente está ainda em montagem desse pequeno artigo que a gente quer publicar”, disse.
Além de oferecer grandes possibilidades de contribuição científica, Wyllyan ainda elenca uma série de outros benefícios da prática de observação de aves: “É uma atividade que envolve muita paixão, que move também não só a paixão, mas também dinheiro, capital, é uma atividade que pode sim favorecer uma região, uma área, pode salvar uma unidade de conservação, pode alavancar o turismo, pode dar oportunidade às pessoas”.
Papel das unidades de conservação para a preservação das aves
Além de atuarem como lugares adequados para a prática de observação de aves, as unidades de conservação (UC) também exercem um papel de preservação destas espécies. De acordo com o professor, Edson Guilherme Silva, as UCs são importantes para a preservação das espécies: “Sem as unidades de conservação, as espécies que só ocorrem em regiões muito específicas da Amazônia já teriam sido extintas”.
O professor ainda ressalta que “além de preservar, as unidades de conservação também são importantes para a pesquisa científica e para o ecoturismo”.
A exemplo disso, no estado do Acre, o Parque Nacional da Serra do Divisor atua como a UC que apresenta a mais rica biodiversidade da Amazônia. Administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Parque Nacional da Serra do Divisor compreende os municípios de Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, Marechal Thaumaturgo, Porto Walter e Rodrigues Alves.
No Acre também há o exemplo do Parque Estadual Chandless, UC administrada pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), localizado nos municípios de Sena Madureira, Santa Rosa do Purus e Manoel Urbano. Tanto o Parque Nacional da Serra do Divisor quanto o Parque Estadual Chandless apresentam enorme potencial turístico, inclusive no que se refere à prática de observação de aves.
A Secretaria de Estado de Turismo e Empreendedorismo (Sete) faz parte de diversos conselhos gestores de unidades de conservação que apresentam enorme potencial para observação de aves. Atualmente, já está prevista para maio de 2024 a realização de um curso com dois módulos, sendo o primeiro para observação de aves e o segundo para interpretação ambiental. O curso é resultado da parceria entre o governo do Estado, por meio da Sete, Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS), ICMBio e Instituto de Pesquisa Ecológica (IPE).
A Sete também está elaborando estudos para incluir na carteira de projetos, as torres de observação de aves. Segundo o servidor da Sete, Francismay Costa, essas torres são estruturas que garantem melhorias à atividade turística de observação, pois permitem a contemplação das aves que ficam em grandes alturas, e contribuem para os praticantes não fazerem barulho e não as espantarem.
Para a diretora de turismo da Sete, Sirlânia Venturin: “O turismo de observação de aves, ou birdwatching, no Acre é uma atividade que tem um alto potencial devido à rica biodiversidade da nossa região, e fortalecer essa modalidade de turismo sustentável é crucial para preservar os ecossistemas delicados da Amazônia”.
Sirlânia ainda ressalta: “O governo do Estado do Acre, por meio da Sete, está atento e sensível à importância que essa atividade tem, e está buscando fomentar o segmento para atrair mais turistas e gerar mais negócios para as comunidades locais e toda cadeia produtiva do turismo”.