Por Rose Farias, especial para o WWF-Brasil, de Xapuri —
Laiane da Costa Santos herdou dos pais o engajamento na luta pelos direitos dos povos da floresta. Luiris da Silva Carvalho tem orgulho de seu histórico familiar e de se reconhecer como seringueiro raiz. Já Raylane Onofres Rodrigues tem nas mãos a fotografia como ferramenta de ativismo socioambiental. E o ideal de André da Silva Marciel é produzir sem destruir a natureza. Esses quatro jovens têm em comum o desejo de manter vivo o território que habitam: a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, que se estende por 9.705,7 km² de sete municípios acreanos e, apesar de ser referência internacional de desenvolvimento sustentável, lidera o ranking de áreas protegidas mais desmatadas do Brasil.
Agora eles estão na linha de frente na defesa não apenas da Amazônia, mas do planeta. Laiane, Luiris, Raylane e André fazem parte do programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), que em dezembro de 2022 reuniu 26 jovens em Xapuri, no Acre, para um ciclo de formações. Houve diversas oficinas, como a de teatro “Do que somos feitos e em que nos transformaremos”, com o ator e bailarino acreano Marcos Luanderson; de “Comunicação técnica e emoção, como desenvolver os dois sentidos. Penso, logo escrevo e compartilho”, com Thanee Degasperi, gestora de redes sociais do coletivo Mídia Ninja; e de “Stencil”, com o Subvertivo Lab, um laboratório artístico, criativo e experimental. Outras atividades envolveram temas como o papel de cada pessoa na luta contra a crise climática e a importância do protagonismo jovem.
Thanee aplicou um processo livre de aprendizagem para que os jovens se entendessem como comunicadores e cidadãos multimídia. “Com o celular na mão, eles conseguem ser videomakers, fotógrafos, redatores, editores… Hoje temos ‘massas de mídias’, não as ‘mídias de massas’, que são poucas famílias que comandam”, afirma. “Temos um mosaico de parcialidade onde cada um pode trazer o seu olhar. Todo mundo pode ser um comunicador e criar suas mídias, conteúdos. O resultado será o surgimento de muitas narrativas, efervescência de comunicadores e comunicadoras dentro dos territórios que possam se entender como agentes de transformação.”
André, que tem 20 anos e mora na porção da Resex Chico Mendes que fica no município de Brasiléia, já espera promover mudanças. “Conheci novas ferramentas que irão me possibilitar potencializar o trabalho que já fazemos na comunidade, de conscientização sobre buscar uma vida digna consorciada com o ser humano e a natureza. Vou poder documentar, gravar, não apenas para minha comunidade, mas para o mundo. Quero expor o nosso modo de viver, como é especial viver na Reserva. Me sinto na obrigação de usar essas ferramentas para conscientizar as pessoas do meu território, do entorno e de todo lugar sobre o perigo que estamos vivendo com a crise climática”, diz.
A troca de aprendizados durante os cinco dias de atividades do programa VAC foi intensa e antecedeu a 33ª Semana Chico Mendes, que ocorreu de 15 a 22 de dezembro, em Xapuri e também em Rio Branco. “Esse encontro mostrou que não estamos sozinhos”, comemora Laiane, de 32 anos. “Muitos jovens estão atentos em suas comunidades e têm feito um trabalho importante. Com cada um ativo em seus territórios, estamos fortalecendo uma rede pelo clima”.
A ativista, que carrega no DNA a luta pelos povos da floresta, com a mãe sendo a primeira mulher a integrar o movimento sindical dos trabalhadores rurais da região, tem emergido como jovem liderança acreana. Participou, por exemplo, do painel “Conectando Clima e Justiça Social para não deixar ninguém para trás”, promovido pela Action for Sustainable Development durante 27ª Conferência do Clima da ONU, a COP27, em novembro de 2022, no Egito. Naquela ocasião, Laiane apresentou as ações conduzidas em seu território para a conservação da Amazônia.
Karla Martins, do Comitê Chico Mendes, pontua que o objetivo do ciclo de formações realizado em Xapuri foi sensibilizar os jovens sobre a importância da comunicação como resistência e enfrentamento ao processo de desconstrução da identidade da floresta – evitar o apagamento sistemático desses povos que vem sendo promovido mundo afora. “A ideia é potencializar essas vozes jovens, a troca de conhecimento em redes, dialogar e identificar os desafios, o que vem sendo realizado, as estratégias de comunicação utilizadas, para cada vez mais fortalecer esse protagonismo da juventude”, diz.
Difundir novas formas de luta é fundamental para que os jovens se sintam impulsionados a manter o legado de gerações que vieram antes. Um dos momentos que mais emocionaram Luiris durante o evento do VAC foi o encontro com Raimundão Mendes, de 77 anos, primo de Chico Mendes e uma das principais lideranças vivas do Acre. “Me inspiro nele. É uma grande figura, como se fosse da família. Ele lutou junto com meu pai, ao lado do Chico Mendes, me inspiro no jeito dele de ser um seringueiro raiz. Com a fala dele, vi que preciso me reconhecer como seringueiro. Eu sou um seringueiro e não vou mais negar isso. Sou um quebrador de castanha, eu amo o que faço”, frisa Luiris, de 22 anos.
Raylane faz coro. “Ouvir Raimundão, Sabá Marinho e Leide Aquino foi muito emocionante e me estimulou a carregar comigo a luta por justiça social e climática no meu território”, salienta. A jovem, de 18 anos, acrescenta que os cinco dias de imersão nas oficinas promovidas em Xapuri fortaleceram seu desejo de seguir firme no ativismo. “Preservar a floresta, falar da minha cultura com orgulho, de onde vim, me inspirou para mobilizar cada vez mais os jovens da minha comunidade”, diz.
Diálogos entre a tradição e a modernidade
Como motivar a conexão entre a modernidade e a tradição? Por onde você estava com 17, 18 e 19 anos? Essas perguntas foram estimuladas para que lideranças e companheiros de Chico Mendes – como Raimundão, Sabá Marinho, Leide Aquino e a filha dele, Angela Mendes, que é presidente do Comitê Chico Mendes – contassem aos jovens como foi no passado e como tem sido a luta hoje dos mais velhos para manter a Amazônia viva e para que os povos da floresta tenham os seus direitos respeitados.
Angela falou sobre sua relação com o pai e que seu despertar para o chamado de preservar a floresta veio com a carta de Chico Mendes, escrita poucos meses antes de ele ser assassinado, em dezembro de 1988. Dirigida aos jovens do ano de 2120, a narrativa utópica celebra o centenário de uma revolução mundial que, na imaginação do ativista ambiental, tornou o planeta socialmente justo para todos os povos.
“Fui chamada pela carta do meu pai e acho que vocês estão aqui pelo mesmo motivo, para assumir essa revolução. Essa luta resultou na Aliança dos Povos da Floresta e na criação das reservas extrativistas. Ele chama a juventude dessa geração para fazer isso e agir pelo planeta. O que vocês estão fazendo aqui é uma revolução nesses dias. Uma revolução a partir da comunicação, da escrita e oralidade, da vivência. Vocês são as vozes em defesa do território, da identidade cultural, e isso é importante para a comunidade de vocês e para o mundo”, destaca Angela.
Vozes pela Ação Climática Justa (VAC)
O ciclo de formações que ocorreu no Acre foi a mais recente ação promovida no Brasil pelo programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), que foi formado a partir de uma aliança global entre o WWF, Hivos, Fundación Avina, SouthSouthNorth (SSN), Akina Mama wa Afrika e Shack Dwellers International (SDI). O VAC é financiado pelo Ministério das Relações Exteriores da Holanda no âmbito do Programa Poder das Vozes para atuar em sete países do Sul Global: Brasil, Bolívia, Indonésia, Paraguai, Quênia, Tunísia e Zâmbia.
O programa tem como foco estratégico contribuir para que os diversos grupos e setores da sociedade civil dos países onde o VAC está presente assumam um papel central como inovadores, facilitadores e defensores das soluções climáticas, atuando a partir do conceito de justiça climática, ou seja, a mudança climática não é apenas um problema ambiental a ser abordado, mas também um desafio social com aspectos éticos e de direitos humanos.
No Brasil, a articulação do VAC trabalha especialmente com mulheres e jovens na linha de frente formando coalizões, compostas por um conjunto de coletivos, movimentos e organizações de diferentes regiões da Amazônia com propostas voltadas para o fortalecimento de vozes da floresta no enfrentamento da crise climática. Em nível global, a rede conta com 170 parceiros locais. Em 2022, a articulação de todas essas instituições resultou na participação ativa de jovens na COP27, em atividades para ampliar as mensagens de ativismo dos países.
Entre as coalizões que fazem parte do programa no Brasil estão a NÓS – educação, comunicação e mobilização popular em defesa das bacias dos rios Juruena e Tapajós, a Floresta Ativista Amazônia e a Rede Comunic(A)tiva de Jovens, esta última realizada pelo Comitê Chico Mendes em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia (STR), a Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes em Xapuri (AMOPREX), o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), a Casa Ninja Amazônia e a Liga de Quadrilhas Juninas do Acre (LIQUAJAC).
O propósito da Rede Comunic(A)tiva de Jovens é criar uma potente rede de fortalecimento mútuo e agendas comuns. “O que se pretende é incidir de forma direta na criação de políticas públicas e aportes financeiros, estabelecendo alianças e conscientização em seus territórios e com a sociedade em geral”, ressalta Karla Martins, do Comitê Chico Mendes. Estão sendo beneficiados com encontros e formações sobre comunicação cerca de cem jovens da Resex Chico Mendes em Xapuri, Brasiléia, Epitaciolândia, Assis Brasil e Sena Madureira e de áreas urbanas desses municípios, além de Rio Branco.
Em todo o Brasil, o VAC é composto por mais de 70 organizações articuladas em 13 coalizões com diferentes formas de atuação na Amazônia legal. Essa rede trabalha em uma agenda equitativa, justa e orientada para soluções que integrem direitos sociais e econômicos na ação climática.