O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública (ACP) contra o estado do Acre e a União por omissões na investigação do assassinato do seringueiro e sindicalista Wilson Souza Pinheiro. Ele foi morto por três tiros nas costas em julho de 1980, na sede do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Brasileia (AC). Apesar da comoção em todo o estado e a repercussão nacional, o inquérito policial foi arquivado como “crime insolúvel” e aqueles que cobravam a apuração do caso foram intimidados por agentes do Estado.
A ação pede que o estado do Acre e a União sejam condenados ao pagamento de R$ 1 milhão por dano moral coletivo, quantia que deve ser revertida em projetos educativos e informativos sobre a Justiça de transição. Requer também que eles sejam condenados a emitirem declaração oficial de desculpas aos familiares do líder assassinado e a toda população brasileira, com citação do caso específico.
O MPF ainda solicita que a certidão de óbito do sindicalista seja retificada, para que conste como causa da morte a informação “Assassinato em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar”, como forma de efetivar o direito à memória e à verdade histórica. Por fim, o MPF demanda que os entes públicos criem e mantenham espaço público de memória em Rio Branco (AC) para valorização e proteção do ativismo de pessoas defensoras de direitos humanos no Acre, e que restaurem o Memorial Wilson Pinheiro, na cidade de Brasileia.
Seringueiro e lavrador, Wilson Pinheiro foi, ao lado de Chico Mendes, um dos fundadores do primeiro Sindicato de Trabalhadores Rurais do Acre, em 1975. Participou ativamente de vários movimentos de resistência em conflitos fundiários que ameaçavam comunidades tradicionais da região na época. Quatro anos após seu assassinato, o jornal “O Rio Branco” publicou uma matéria jornalística expondo o relato da viúva de um pistoleiro. Ela contava que seu marido, junto com um comparsa, assassinaram o líder sindical a mando do capataz de um latifundiário. No entanto, em 2022, o assassinato completou 42 anos e o crime permanece sem respostas efetivas sobre quem eram os reais envolvidos, entre mandantes e executores.
Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão do Acre, Lucas Costa Almeida Dias, autor da ação, “esse quadro de inércia estatal representa uma dupla violência: primeiramente, pelo assassinato em si com a brutalidade de uma execução, praticada em um contexto de oposição aos valores democráticos, aos direitos humanos e à tolerância; segundo, simbólica pelo desprezo à memória do sindicalista”.
Em dezembro de 2021, o MPF havia instaurado inquérito civil público para apurar eventual omissão dos entes federados na investigação. No curso do inquérito, foram expedidos ofícios ao Tribunal de Justiça (TJAC), ao Ministério Público (MPAC), bem como ao comando do Exército no Acre, para que informassem se há registros documentais de apuração do crime. Em resposta, os órgãos informaram não ter localizado quaisquer registros, processos judiciais ou procedimentos instaurados com o objetivo de investigar a morte do sindicalista.
O MPF aponta que essa conduta omissiva está longe de ser uma exceção. A Comissão Nacional da Verdade evidenciou, inclusive, que crimes praticados no contexto da ditadura se converteram em política de Estado, concebida e implementada a partir de decisões emanadas da própria Presidência da República e dos ministérios militares e, por isso, teriam a natureza de crimes contra a humanidade. Além disso, a jurisprudência do STJ tem fixado a inaplicabilidade da Lei da Anistia à pretensão de reparação civil das violações a direitos fundamentais ocorridas durante o período da ditadura militar. No caso em questão, a omissão estatal em investigar e punir um crime de homicídio consumado reflete condutas sistemáticas do Estado brasileiro na época e no contexto em que ocorreram tais fatos.
A ação do MPF segue para a 3ª Vara Federal Cível e Criminal da Justiça Federal do Acre, onde ainda será julgada.
Processo 1001367-92.2023.4.01.3000.