Após 20 anos de pagamento ininterruptos dos salários em dias, mais o 13o no final do ano, os servidores públicos do governo do Acre tiveram um dezembro atípico neste 2018. Pela primeira vez neste período, o funcionalismo estatal se viu às voltas,desde o começo do mês, com a possibilidade de não contar com o benefício salarial na conta, o que representaria passar um Natal e fim de ano de vacas magras.
É algo inédito nestas duas décadas de governos petistas no Acre, que tanto se vangloriam de honrar com a folha dos servidores. O não atraso no pagamento dos salários mais o 13o, sempre foi a moeda de troca eleitoral usada pelos candidatos do PT para se consolidarem no Palácio Rio Branco.
Afinal de contas, eles assumiram um Acre com as finanças arruinadas. Ao assumir o Executivo, em 1999, o então governador Jorge Viana (PT) tinha como missão pagar os salários atrasados (incluindo o 13o) deixados pelo seu antecessor, Orleir Cameli (1995-1998).
Jorge Viana conseguiu arrumar a economia do estado, e desde então o funcionalismo público vinha tendo a garantia de que o patrão (governo) não os deixaria na mão sem seus direitos. Eles passaram por uma política de valorização salarial, ganhando crédito na praça.
Desta forma, o petismo acreano ganhou força diante daquela que pode ser vista como a principal força econômica e eleitoral do estado: os servidores públicos, capazes de colocar e tirar governadores.
Apesar dos avanços econômicos das últimas décadas, o Acre ainda continua altamente dependente da chamada “economia do contracheque”. São os salários pagos aos funcionários que assegura a movimentação e o aquecimento do mercado local. Sem ela, o setor privado fica quase que estagnado.
Esse ciclo parece ter se esgotado ao fim do governo de Sebastião Viana, irmão de Jorge, aquele primeiro governador do PT que arrumou a bagunça da “herança maldita”. Os acreanos pareciam estar numa ilha da fantasia quando viam, pelo noticiário nacional, que em estados ricos como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, os governos não conseguiram pagar os salários de seus servidores.
Parecia que aquela marolinha jamais chegaria por aqui – mas chegou, para alguns com a força de um tsunami. O governo Tião Viana tentou de todas as formas encerrar seu mandato sem este fim melancólico. Mas todas as vezes em que se recorria à calculadora, as contas não fechavam – sempre ficava no vermelho.
Ao menos três fatores influenciaram o fato de o Acre ter chegado a tal ponto, sendo um deles de influência direta da atual gestão. Nos últimos anos o estado viu um inchaço em seu gasto com a folha de pagamento, sobretudo com cargos de livre nomeação, moedas de troca para os petistas assegurarem apoio de aliados em véspera eleitoral.
Ao fim de 2017, o Ministério Público de Contas, ligado ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), já emitira alertas sobre o governo ter ultrapassado o limite prudencial com a folha dos servidores, estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O MP ainda expediu recomendações para o Palácio Rio Branco resolver o problema e voltar a ficar enquadrado no que manda a LRF.
Em junho, a gestão petista afirmou que já tinha adotado medidas para cumprir a legislação. A demissão de 800 cargos políticos no começo de dezembro revelou o tamanho do inchaço com a folha de pessoal. Um verdadeiro cabide de emprego na estrutura do estado para abrigar aliados, muitos com elevados salários.
Déficit previdência e queda de FPE
Foi no governo de Sebastião Viana que estourou um problema: o déficit nas contas da previdência. Hoje, o estado gasta mais com o pagamento de aposentadorias e pensões, do que arrecada. Os recursos do fundo previdenciário já não dão conta de suprir a diferença, e o Tesouro Estadual precisa desembolsar, todos os meses R$ 40 milhões para fechar a folha de inativos.
No Acre, 84% deles não dão nenhum tipo de contribuição para a Previdência. Estes R$ 40 milhões retirados do Tesouro parecem ter feito falta, agora, para fechar a conta para pagar o 13o salário. Além disso o Executivo precisou fazer transferências obrigatórias para os demais Poderes também quitarem suas folhas.
Com seus elevados salários e outros benefícios, o Judiciário tem alto impacto para fechar as contas públicas, comprometidas com as quedas nas transferências de verbas federais.
Apesar de todas as propagandas petistas apresentaram o Acre como a nova redenção econômica do país, o estado ainda é altamente dependente do envio de recursos por parte de Brasília. Nos últimos três anos, segundo cálculos do Palácio Rio Branco, o Acre deixou de receber R$ 400 milhões de receitas da União.
Juntos, estes três fatores (folha inchada, déficit previdenciário e perda de verba) fizeram com que o governo Sebastião Viana fosse obrigado a deixar parte do pagamento do 13o salário para seu sucessor que, por ironia do destino ou não – será um Cameli.
Se os petistas diziam, há 20 anos, que tinham recebido uma “herança maldita” da parte de Orleir Cameli, agora seu sobrinho, o governador eleito Gladson Cameli (PP), também fala em “herança maldita” ao receber a faixa governamental no próximo 1o de janeiro.