Aos 71 anos e aposentado desde 2016 do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), onde atuou por mais de 30 anos, o climatologista Carlos Nobre parece ter abraçado seu desafio mais ousado até hoje.
“Passei toda a minha carreira apontando os problemas, agora quero buscar as soluções”, disse o cientista durante a palestra de abertura da Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA) Amazônia Sustentável e Inclusiva, que ocorre até a próxima segunda-feira (05/12) em São Pedro, interior paulista, com o apoio da FAPESP.
Atentamente assistido por uma plateia de cerca de 80 jovens pesquisadores do Brasil e de outros países latino-americanos, Nobre relembrou o futuro sombrio que espera a Amazônia e o mundo caso o Acordo de Paris não seja cumprido e o planeta aqueça mais de 1,5 oC até o fim do século. Atualmente pesquisador no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) e copresidente do Painel Científico para a Amazônia, Nobre tem um plano ambicioso – e necessário – para o futuro da floresta amazônica, que inclui a criação de um “MIT da Amazônia” (em alusão ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts, dos Estados Unidos).
“Precisamos criar uma nova bioeconomia para a Amazônia e o AmIT, como estamos chamando, é uma proposta para formar mão de obra para isso na região e criar as tecnologias necessárias para desenvolvê-la de uma forma que valorize a biodiversidade e mantenha a floresta de pé”, disse durante sua apresentação, ocorrida poucos dias após seu retorno da 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP27, realizada no Egito.
“Foi um evento político que pode significar uma melhora significativa de como o Brasil trata a Amazônia. Temos agora um otimismo em pensar uma Amazônia com desmatamento zero, com uma bioeconomia de floresta em pé, em que uma árvore vale mais em pé do que deitada, como disse o presidente eleito Lula em seu discurso na COP”, afirmou o cientista à Agência FAPESP ao fim da palestra.
Segundo Nobre, para isso é muito importante buscar soluções inovadoras, uma vez que não existe hoje uma economia em escala global, ou mesmo amazônica ou nacional, que valorize os produtos da floresta. “É muito importante disseminar esses desafios”, disse.
O Brasil tem 40% de suas emissões de gases de efeito estufa advindas do desmatamento, o que pode ser uma grande vantagem no cenário internacional. Ainda que sejamos o sétimo maior emissor do planeta, somos o único país que pode fazer um grande corte de emissões sem prejudicar a atividade industrial. Nos países desenvolvidos, a indústria e a geração de energia são as maiores fontes emissoras.
No entanto, ainda que o desmatamento acabe e o que foi devastado de floresta amazônica se recupere, sem uma queda radical de emissões dos países desenvolvidos o mundo continuará aquecendo. Com mais de 4 oC na temperatura local, a floresta não suportaria.
“É preciso entender que a atmosfera é compartilhada por todos. As mesmas moléculas de ar que você está respirando agora foram respiradas por pessoas no mundo inteiro. A redução das emissões precisa ser feita por todos”, resumiu Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física (IF) da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, palestrante do segundo dia da ESPCA.
“Não dá para querer crescimento econômico infinito com recursos finitos”, afirmou o físico.
Mudança
Carlos Nobre aposta em um ousado conjunto de medidas, que inclui transformar o atual Arco do Desmatamento – região onde a fronteira agrícola avança, de leste e sul do Pará em direção a oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre – no Arco do Reflorestamento.
Recuperar os cerca de 500 quilômetros quadrados já perdidos custaria dezenas de milhões de dólares, algo que um fundo como o que se propôs na COP27 poderia financiar.
“A floresta amazônica intocada tem uma taxa de remoção líquida de 1 a 2 bilhões de toneladas por ano de dióxido de carbono da atmosfera. São 150 bilhões a 200 bilhões de toneladas armazenadas, um serviço ambiental imenso para o resto do planeta”, apontou Nobre.
Enfrentar os desafios para manter a floresta de pé exige um conjunto de habilidades que ultrapassa os limites das disciplinas científicas, por isso a Escola selecionou um conjunto de jovens pesquisadores de diversas formações, das ciências biológicas às humanidades, para pensar em soluções para a região.
“Acredito que pesquisas na Amazônia devam ser feitas em equipes multidisciplinares, onde haja pessoas com formação em ciências humanas, sociais, biológicas, exatas, porque a solução deve ser voltada para a sociedade, que é composta por todos esses pontos de vista. Não posso pensar só na conservação, mas também no bem-estar e na condição de vida daqueles que moram na região amazônica, que são quase 28 milhões de brasileiros, em torno de 35 milhões se pensarmos na bacia amazônica como um todo”, contou Carlos Joly, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), membro da coordenação do Programa BIOTA-FAPESP e organizador do evento.
Segundo o arqueólogo Eduardo Góes Neves, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, e também palestrante do evento, a Amazônia foi densamente ocupada no período anterior à colonização portuguesa e os povos originários souberam e sabem muito bem como manejar os recursos da floresta sem degradá-la.
Parte das soluções, portanto, pode vir do que se sabe das populações atuais e do que vem sendo revelado nas últimas décadas pelo grupo do pesquisador sobre a ocupação daquele território no passado.
“Sempre houve muita gente na Amazônia. Havia milhões de indígenas e o que compõe a paisagem amazônica hoje resulta da modificação exercida pelos povos indígenas ao longo do tempo. Então não dá para separar a proteção da natureza da proteção do modo de vida das populações tradicionais. Não são coisas contraditórias, mas complementares. E qualquer coisa que formos pensar para o futuro da Amazônia tem que contemplar a presença dos povos da floresta, que são os povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas. Aquela ideia de preservação sem as populações tradicionais, além de injusta socialmente, não tem embasamento nos dados que a arqueologia traz”, encerrou o pesquisador.
Por André Julião | Agência FAPESP, de São Pedro –