As páginas cheias de letras vão formando palavras, que formam frases e se transformam em histórias. Estas são usadas para ressignificar a vida de muitos privados de liberdade. O projeto de leitura Mentes Livres é desenvolvido pelo Instituto de Administração Penitenciária (Iapen) em parceria com a Secretaria de Estado de Educação e Cultura (SEE), no sistema prisional, e abrange 600 detentos em todas as unidades penitenciárias de Rio Branco. Além de se tornar uma forma de passar o tempo e poder se distrair, a leitura ajuda a remir pena, a cada livro lido, o apenado tem quatro dias de remissão.
A literatura tem sido um escape, e uma forma de mudar vidas em todos os lugares, e dentro do sistema prisional não é diferente. O detento T. J. S. nunca se interessou por ler antes. A primeira vez foi ao ver o faxineiro do prédio com alguns livros, ele conta que o primeiro volume que leu era um romance: “Nunca tinha demonstrado nenhum tipo de interesse por leitura. Nunca tinha lido, nem mesmo a Bíblia na minha vida. A gente às vezes se encontra meio vazio, solitário. Eu falei: rapaz, vou tentar ler esse livro pra preencher o vazio que eu estou sentindo. Aí eu achei o livro legal e comecei a gostar de ler”, explicou ele. E gostou tanto de ler, que decidiu que ia se tornar escritor: “Desde aquele dia eu falei: um dia eu vou fazer um livro. E, depois de três anos, eu estava num momento, assim, meio abalado, emocionalmente. E o que eu fiz no meu momento mais crítico e emocional? Eu tinha contado para alguns companheiros de cela que eu tinha uma vontade de fazer um livro. Aí pensei: rapaz, eu acho que eu consigo. E comecei a fazer. O título é ‘Nunca é tarde para recomeçar’”, contou. E ele não parou no primeiro. Agora já prepara seu segundo livro.
Essa não é a única história que tomou um rumo diferente por meio da leitura. H. M. é mais um que se encantou pelo mundo dos livros. Ele acredita que o projeto ajuda na escrita e prepara para a redação do Enem: “A leitura abre nosso entendimento. Ela é uma terapia. Os livros, a literatura são maravilhosos. A gente melhora a escrita, melhora até na nossa comunicação, né? O Enem é um desafio muito grande para a gente fazer, a gente tem medo do Enem, e quando a gente faz o projeto de leitura se sente mais confiante, entendeu? Se sente mais seguro. Eu até passei no Enem depois que eu comecei a fazer o projeto”, ressaltou.
O projeto, que atende o Complexo Penitenciário de Rio Branco, é coordenado pela escola Fábrica de Asas, que fica no complexo, e conta com o corpo de professores para que seja possível o funcionamento. Os apenados interessados em participar recebem um livro por mês, e têm 30 dias para lerem e produzirem uma redação sobre o volume lido. Os professores distribuem esses livros e corrigem as redações.
A professora Flênia Rocha trabalha com educação no sistema prisional desde 2019. Ela fala da experiência no projeto: “Estou no projeto desde 2020. A gente entrega os livros e a ficha de produção nos prédios para que eles possam produzir nos seus aposentos. Eles não podem fazer a produção do mesmo livro. Então, os livros são diferentes e a gente deixa, às vezes, no prédio e pede para fazer essa troca lá”, disse.
A chefe da Divisão de Educação Prisional do Iapen, Margarete Santos, foi a primeira professora no projeto, quando este começou em 2017. Ela conta que é comum que os alunos que fazem parte do projeto de leitura tirem boas notas na redação do Enem: “O projeto é de grande importância na vida dos detentos, porque nós temos muitos bons resultados no Encceja e no Enem. Os nossos alunos conseguem boa nota na redação e, além de conhecimento, o aprendizado que eles adquirem ao longo do ano”, explicou.