Esta é uma história de amor. Um amor sem pretensão. E por ser despretensioso, agrega. E por agregar, cuida. Um conto envolvendo um menino apaixonado pelo pai adotivo e por cavalos de raça. É a história de sacrifício de uma família em nome do conhecimento, no ramal do Rodo, na região do Amapá, zona rural de Rio Branco. No lugar, em meio à vastidão de campos desabitados, uma escola chamada Ruy Azevedo ilumina, à noite, o caminho das letras e dos números àqueles que por seus portões adentram para estudar.
No Dia dos Pais, comemorado neste domingo, 11, as vidas de Adelino (o filho) e Josimar (o pai) ilustram um pouco deste momento em que famílias por todo o Brasil celebram aqueles cuja façanha diária é a de proteger, prover e guiar seus filhos numa jornada de êxito pela vida.
E se naturalmente o pai encoraja o filho em todas as etapas da vida, aqui a história é subvertida. Adelino convenceu Josimar – que estudou só até a 3ª série do fundamental –, a voltar à escola. Já o menino foi alfabetizado ano passado, aos 15 anos, na Educação de Jovens e Adultos (EJA), um programa promovido pelo governo do Estado do Acre, por meio da Secretaria de Estado de Educação e Cultura (SEE), a pessoas que não tiveram acesso à escola convencional na idade apropriada. Hoje, aos 16 anos, orgulha-se de saber ler, escrever e dominar a tabuada “de cor e salteado”. Nos próximos dias, o pai, de 33 anos, também começa as aulas dos primeiros anos do ensino fundamental.
Pai e filho, agora, são dois entre os 38 estudantes da escola Ruy Azevedo, nesta modalidade de ensino. De quebra, a mãe Márcia, também está completando os estudos no segundo módulo da EJA.
Na noite da última quinta-feira, 8, o primeiro dia de mais um módulo, a professora Josiene Rodrigues, que ainda não o conhecia, descobriu um Adelino desajeitado, envergonhado, tímido e quase desaparecido dentro dele mesmo.
Adelino e Josimar trabalham na roçagem de quintais de dia e à noite vão estudar na escola Ruy Azevedo, zona rural de Rio Branco. Foto: Pedro Devani/Secom
Mera impressão. Aos poucos, o raciocínio rápido para a matemática e a interação com os colegas vieram à tona. Adelino ouviu do pai o conselho de que o melhor estaria por vir. A escola era o melhor lugar reservado para ele. E Josimar mal sabia que também desfrutaria desse turbilhão de maravilhas que só o ensino pode proporcionar.
Adelino se aproximou dos livros. Os mesmos que hoje recomenda ao pai, auxiliando-o nas leituras, quando ambos não estão ocupados de dia com a roçadeira, trabalhando nas grandes áreas de capoeira da região, para levar o sustento para casa.
Celso Lopes de Santana, coordenador pedagógico da escola, conta que uma grande mobilização para captar moradores do entorno que queiram terminar seus estudos na EJA está em andamento neste momento. “Queremos oferecer esta oportunidade a maior quantidade possível de pessoas. E está dando certo”, comemora o educador.
No lar, todos os dias, à espera dos dois, além de Márcia, estão outros cinco irmãos – duas meninas e três meninos –, um dos quais filho biológico de Josimar com Márcia, de pouco mais de um ano de vida. À noite, as crianças ficam aos cuidados de parentes que moram próximos à casa da família.
Conta o pai que muitas vezes, quando não pode estar em dois serviços, o Adelino dá conta direitinho. “E muitas vezes, fiquei em casa à noite para que ele e a sua mãe viessem estudar. Agora é a minha vez”. Josimar Moraes da Silva é o seu nome completo. Quando terminar a EJA, o pai do menino Adelino tem o sonho de arranjar um emprego melhor. “Quero sair da diária. É sofrido demais. Todos os dias a gente mata um leão para viver. Se eu conseguir alguma coisa fixa vai ser melhor”.
Já o filho, Antônio Adelino do Nascimento da Cruz voa mais alto. Movido pelas lembranças quando aparava a crina dos cavalos e dava banho nos animais, quer ser fazendeiro, tendo a matemática como a sua melhor aliada.
“É a minha disciplina preferida. A matemática vai me ajudar a contar o gado que vamos ter, em nome de Jesus”, sorri. Mas o maior objetivo dele faz jus a um mandamento bíblico muito conhecido, o de honrar pai e mãe. “Comprando umas terras, vou ficar com meu pai ao meu lado até ele ficar bem velhinho ou até quando Deus permitir”.