Em seu último dia, a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5CNCTI) promoveu uma mesa de debates sobre o “Combate à Desinformação e à Anticiência”. Coordenada pelo diretor do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), Thiago Braga, o painel reuniu o secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (SECOM/PR), João Brant; a professora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), Nina Santos; a secretária-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Claudia Linhares; e a jornalista e coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), Renata Mielle.
Conduzindo o debate, Thiago Braga discutiu a importância da ciência para o desenvolvimento de um país e como o investimento em pesquisa e desenvolvimento pode trazer retornos significativos para a sociedade. O especialista também apontou como a crise informacional global e outras crises interconectadas (como a ambiental, a geopolítica e a guerra) formam uma espécie de “policrise” que afetam negativamente a função da ciência, destacando a desinformação como um problema que agrava essas crises.
“A ciência é fundamental para o desenvolvimento social, ambiental e econômico de um país. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento, como os realizados pela China, com mais de 2,5% do PIB, mostram o retorno positivo que a ciência pode ter na vida das pessoas”, avaliou. No entanto, segundo Braga, uma crise informacional global está dificultando a função essencial da ciência de melhorar vidas e promover novas tecnologias.
Para ele, essa crise, combinada com outras crises, como a ambiental, a geopolítica e a guerra, forma uma ‘policrise’ — uma série de crises simultâneas com causas distintas. “Resolver essa policrise exige uma abordagem complexa. A desinformação é um fator crucial nesse contexto, e é essencial que a ciência lidere a busca por soluções para esses problemas”, avaliou Braga.
O doutor em Ciência Política e secretário de Políticas Digitais da Secom, João Brant falou sobre a influência das plataformas digitais na maneira como consumimos e gerenciamos informações, especialmente com a popularização dos smartphones.
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“A atual crise informativa se deve principalmente à externalidade negativa do modelo de negócios das plataformas digitais. Com a popularização dos smartphones, essas plataformas assumiram um papel central na curadoria e difusão da informação, substituindo o controle dos jornalistas por engenheiros e programadores. Enquanto as empresas maximizam o engajamento, nós perdemos importantes referenciais da modernidade, que não deveríamos ter abandonado, após um longo processo de conquista”, explicou Brant.
Para garantir a integridade da informação, Cláudia Linhares, do SBPC defende o fortalecimento de três pilares: soberania, democracia e ciência. “A recomendação principal é promover ações coordenadas e integradas pela sociedade civil, não limitadas a um único segmento ou ao poder executivo. A colaboração entre os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo é crucial para enfrentar a desinformação.
De acordo com o Fórum Mundial, desinformação e mudanças climáticas são as maiores ameaças globais, exigindo uma abordagem multifacetada e científica. O aumento significativo de publicações científicas falsas, que cresceram 49.500% desde 2010, destaca a necessidade de melhores métodos de detecção e combate. A desinformação, motivada por interesses ideológicos e mercadológicos, visa o domínio de um grupo sobre outro e tem impacto econômico. “É essencial entender os três componentes desse processo: quem produz, quem transmite e quem consome a informação. Além disso, o Brasil enfrentou uma queda de 7,2% na produção científica em 2023, o que evidencia a importância de não apenas produzir, mas também comunicar e divulgar ciência de forma eficaz”, explicou.
Linhares também sugeriu que a educação deve ir além do ensino básico e que a cultura científica é fundamental para a cidadania. “Temos que universalizar a educação. Precisamos de uma educação científica e resgatar os componentes curriculares e saberes que estimulam a avaliação crítica do conteúdo. Vimos colegas na universidade recusando vacina, então não é só uma questão de educação, mas de avaliação crítica. A cultura científica é cidadania. Enquanto ficarmos apenas dando esmola, não vamos combater essa doença global”, pontuou.
A professora do INCT, Nina Santos, trouxe para o debate a relação complexa entre ciência e desinformação, abordando dois principais aspectos dessa interação: ciência e desinformação a partir de três perspectivas. Para ela é essencial abordar essa questão não apenas para combater a desinformação atual, mas também para construir uma visão de futuro e uma sociedade que valorize a produção científica. “Primeiramente, a ciência é a base das estruturas tecnológicas e comunicacionais que temos hoje, como a internet e as plataformas sociais. A produção científica teve um impacto profundo na maneira como nossas sociedades funcionam. Embora não defenda uma visão tecnocêntrica, é inegável que a ciência moldou o ambiente comunicacional atual, onde ocorrem fenômenos de desinformação”, afirmou. Para ela é crucial ir além da desinformação individual. “Quando alguém faz a falsa alegação de que cloroquina cura a Covid-19. O problema é mais amplo: a desinformação visa desestabilizar os centros de produção de verdade na sociedade, e a ciência é um desses centros”, explanou.
Finalizando o debate, a coordenadora do CGI, Renata Mielle, destacou a importância de adotar iniciativas como aumentar a literacia digital, promover a produção científica e criar conteúdos de qualidade para combater a desinformação. “Ainda assim enfrentaremos a barreira dos algoritmos das plataformas digitais, que determinam como e para quem o conteúdo é direcionado”, alerta. Mielle também criticou a limitação de caracteres e a forma rápida e superficial com que a informação é consumida nas redes sociais, como X e Instagram. “Ninguém questiona o modelo dos microblogs. Como podemos aceitar de forma natural que a informação venha apenas de vídeos curtos no TikTok ou Reels, de no máximo um minuto? Isso contribui para a desordem informacional”, avaliou