Por Sara Leal*
Com 69 anos recém-completados, o líder extrativista e seringueiro Júlio Barbosa viveu mais da metade da vida lutando em defesa da floresta amazônica e dos direitos de quem nela vive. “Sou fruto de uma resistência contra todo tipo de opressão que recaia sobre o nosso povo”.
É o atual presidente do CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas), do qual faz parte desde a fundação, e integra o CDESS (Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável) do governo federal. Foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, posição que assumiu depois do assassinato de Chico Mendes, seu companheiro de luta, por fazendeiros.
Acreano de Xapuri, Barbosa nasceu no seringal e começou a cortar seringa aos 14 anos. Iniciou sua militância em movimentos sociais aos 22 anos, por meio de comunidades eclesiais da igreja católica. “Este foi um momento extraordinário na minha vida e na minha formação como ser humano comprometido com uma causa pela defesa dos injustiçados, da qual eu também fazia parte – em especial por ser durante o regime ditatorial”.
Com a chegada de grandes fazendeiros na região, na década de 1970, Barbosa conta que surgiu a necessidade de os seringueiros se organizarem para resistir à devastação da floresta, expulsão das famílias dos seringais e exploração do trabalho. Para isso, ajudou a fundar em 1977 o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri.
“Foi aí que começamos a usar um instrumento muito importante aqui na nossa região, que batizamos de ‘empate’. Assim como em jogos de futebol, mas, no nosso caso, o empate seria resistir para, ao menos, o fazendeiro não derrubar nossas colocações”, explica.
A estratégia consistia em montar uma barreira humana, formada pelas pessoas que viviam no seringal, que se colocavam em frente às foices onde havia tentativa de desmatamento.
O empate deu origem à segunda bandeira de luta dos seringueiros da região: a reforma agrária. Barbosa cita Chico Mendes como peça importante nesse movimento. “Ele era uma pessoa muito sábia e já tinha essa noção de que a reforma agrária de São Paulo, por exemplo, não seria um modelo ideal para a Amazônia”, comenta.
A partir daí, segundo ele, se iniciou a discussão entre os seringueiros que deu origem ao termo e à criação das primeiras reservas extrativistas, no início da década de1990. “Este foi um grande legado para o Brasil. O surgimento de um modelo que o país conseguiu implementar não por vontade dos governantes, mas por uma pulsação e resistência de um segmento da sociedade que vivia na invisibilidade”.
Para ele, o maior desafio atual é regularizar definitivamente as terras das populações extrativistas da Amazônia e fazer com que as mais de 60 milhões de terras públicas, que ainda não foram destinadas e sofrem diferentes tipos de ameaças, sejam protegidas. “Fico grato por tudo o que conquistamos e também lamento por diversos companheiros terem sido tombados no meio dessa caminhada, que é uma luta de classe muito desigual”.
Júlio diz ter esperanças de que seu empenho e o de seus companheiros sirva de exemplo para as futuras gerações. “Acredito que cada um de nós têm uma contribuição a dar para uma Amazônia e um Brasil que nós sonhamos. Principalmente para podermos dizer um dia que o bioma pertence à uma população que vive muito feliz nela, protegendo e se beneficiando de tudo de bom que ela pode oferecer não só para os povos da floresta, mas para toda a humanidade”, finaliza.
*Coordenadora de comunicação do IPAM, sara.pereira@ipam.org.br