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El Niño no Brasil: entenda efeitos de seca na Amazônia e chuva no sul

Por Bibiana Alcântara Garrido*
Esta entrevista foi publicada originalmente na Um Grau e Meio, newsletter com análises exclusivas sobre clima, meio ambiente e sociobiodiversidade, produzida pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

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Ane Alencar atua como diretora de Ciência no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), coordenadora da rede MapBiomas Fogo e do mapeamento MapBiomas Brasil para o bioma Cerrado. Alencar é especialista em fogo na Amazônia e no Cerrado, reconhecida pela autoria do conceito de “Cicatrizes do Fogo” para definir áreas afetadas por incêndios florestais na Amazônia nas imagens de satélite.

O tema da edição foi o El Niño, fenômeno climático que aquece as águas do oceano Pacífico e tem implicações para o clima do planeta. Leia a íntegra.

Os fenômenos El Niño e La Niña sempre existiram? Como se formam?

Sim, são fenômenos naturais que interferem em nossa condição climática e que fazem parte da dinâmica atmosférica em relação com os oceanos, causados pelo enfraquecimento ou fortalecimento dos ventos alísios.

Tem uma massa de ar que vem do sul para o norte. Quando se encontram no Equador, correm em direção contrária à rotação da Terra. Se esses ventos são fortes, isso faz com que a água quente na região equatorial do Pacífico seja empurrada para leste. E a água gelada, que vem pelo sul, fica parada ali. Por isso que a costa do Pacífico normalmente é mais gelada.

Quando a água gelada consegue ir até o Equador e ficar por mais tempo, ocorre o La Niña. Um resfriamento além do normal das águas do Pacífico na região equatorial, que acarreta em mais seca na região andina e no sul do Brasil, e em mais umidade na Amazônia.

Quando os ventos diminuem a intensidade, a água quente se aproxima da costa do Pacífico e empurra a gelada. Então, na região equatorial, no norte da América do Sul e leste da América Central, a água fica mais quente e evapora mais. Isso é o El Niño. Tem mais chuva na região andina e no sul do Brasil, e menos umidade na Amazônia e no nordeste.

Esse é o fluxo de El Niño/La Niña que interfere na nossa condição climática, gerando muita chuva ou muita seca. Mas isso faz parte de um fenômeno natural, que normalmente ocorre entre três e cinco anos, oscilando de La Niña para El Niño.

As mudanças climáticas causadas pela ação humana têm alterado o comportamento desses eventos?

O fluxo El Niño/La Niña está sendo impactado pelas mudanças climáticas. Num planeta mais quente, com a água dos oceanos mais quente, já estamos jogando mais vapor para a atmosfera e gerando mais tempestades. É um agravamento para um fenômeno como o El Niño, em que a água também fica mais quente na região dos trópicos.

Mas isso vai ser uma bomba, também, porque puxa a água de um lado e seca do outro. Já tem várias publicações científicas indicando como as mudanças climáticas têm efeito sobre a severidade do El Niño.

É uma relação que se retroalimenta e, por isso, a probabilidade de ser um evento catastrófico é maior. O El Niño atual pode levar o planeta a 1,5°C, justamente o que a gente quer evitar, mesmo que momentaneamente.

Este é o período em que o El Niño começa a se estabelecer e a gente começa a sentir mais os impactos. Em anos de El Niño, as chuvas da Amazônia normalmente não são suficientes para suprir o déficit de água da estação seca. Em 2023 a gente vai sentir uma seca, pois o El Niño já se estabeleceu. Só que os dois últimos períodos da Amazônia foram bem chuvosos, então essa seca talvez não seja tão impactante.

A água do Pacífico vai continuar esquentando, com ápice no final do ano e início do ano que vem. É quando a gente realmente vai saber se o El Niño vai começar a reduzir ou não, se vai se estabelecer por mais um ano. Na seca de 2024 é quando realmente vamos sentir o efeito catastrófico de um El Niño prolongado.

Mas o El Niño não é o único fenômeno climático relacionado ao aquecimento dos oceanos. Em cada região do mundo tem um evento similar. A Oscilação do Atlântico Norte, por exemplo, ou a Oscilação multidecadal do Atlântico.

Quais foram os principais efeitos observados do El Niño em 2016?

Foi um El Niño que começou em 2014. As condições do El Niño 2015/16 são muito parecidas com as de 2014. Durou 2015 e 2016 o ano inteiro, mas em 2017 começou a baixar. Virou La Niña em 2018.

O principal efeito desse El Niño foi em 2017, justamente por conta das três secas consecutivas, mesmo 2017 já não sendo um ano de El Niño. Em 2015 queimou bastante, 2016 também, mas não como todo mundo estava esperando. Só que queimou muito em 2017.

De 2017 para 2018 tivemos um La Niña fraco, depois, no final de 2018 um El Niño que não foi tão forte, comparado a 2015/16. Mas, porque houve desmatamento em 2019, foi intenso.

Então, o El Niño arrefeceu e voltou um pouquinho mais forte de 2019 para 2020, depois começou a baixar e entrou no período de La Niña. Mas as águas estão se expandindo muito. O que vai se desenrolar agora é fundamental para a gente entender o que vai acontecer ano que vem. Porque, se for igual a 2014, vai ser um ano perigoso.

A permanência do La Niña até 2022 pode ter “mascarado” o impacto de atividades predatórias em áreas naturais?

O fato da gente ter tido um La Niña ajudou a reduzir o impacto do que seria o fogo. Esse fogo teria se espalhado mais se estivéssemos sob o efeito do El Niño. Ano passado teria sido um inferno na terra.

O que o Brasil pode esperar com a volta do El Niño em 2023?

O El Niño impacta o Brasil de formas diferentes. Na Amazônia, no norte do Cerrado e no semiárido, o El Niño tem um impacto maior de seca, principalmente uma seca mais pronunciada e prolongada. Mas também causa verões mais chuvosos no sul e sudeste.

Na Amazônia, dependendo da atividade de fogo, do nível de desmatamento e de quanto as pessoas estão usando o fogo no seu dia a dia, a gente pode ter um cenário com muito mais fogo na paisagem. Como não podemos controlar o clima, podemos sim controlar o uso do fogo pelas pessoas. Eu acho que é esse o rumo que o Brasil deveria tomar.

Assim como em locais que vão ser afetados pelas chuvas, é preciso ter essa visão das áreas de maior risco de desabamentos, para que de fato as pessoas fiquem mais seguras a partir de medidas de prevenção e adaptação.

Os principais problemas são incêndios, deslizamentos, alagamentos. No caso de incêndios, a gente pode trabalhar com a prevenção. Nas outras situações também é importante ter a prevenção, mas também é latente já vislumbrar planos de adaptação às mudanças climáticas. São áreas muito atingidas e há que pensar em como mudar isso, seja transferindo moradias ou reforçando a infraestrutura para que as áreas não sejam atingidas de uma forma muito dura.

*Jornalista de Ciência no IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br

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