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Como se fosse possível viajar no tempo, volto meio século no passado para 1970. Me vejo jogando bola na chuva com outras crianças em um domingo à tarde do mês de dezembro, por volta das 15 horas. Um dos meninos chegou ofegante, gritando:

– O Chico Santana fechou a rua da Goiaba no pau, tá batendo na mulher, os cabos Veríssimo e Artur (da extinta guarda territorial) já foram prá lá. Ele tá armado. Foi o suficiente para largarmos a bola no meio da rua e sair correndo desembestados no rumo de lá.

Chico Santana era um cearense. Rosto quadrado, ombros largos, mãos grandes. Passos firmes e decididos de quem estava sempre em alerta. Tinha um batelão, regateava no rio Acre vendendo mercadorias, comprando castanha, borracha e couros de bichos do mato.

Naquele dia havia chegado da Vila Paraguassu (Assis Brasil). Era um bom sujeito, mas não podia tomar uns trago de Cocal, uma cachaça muito famosa na época. Por esse tempo, os homens andavam armados, geralmente com um revólver 38 Smith, era o preferido.

Chegando à cena da confusão, nós, meninos, nos enfiamos debaixo das casas da rua da Goiaba que, ainda hoje, margeia o rio. Eram feitas sobre barrotes como pequenas palafitas. Disputávamos espaços com galinhas, pintos, patos e até uns porcos baé.

Com os olhos esbugalhados, o coração disparado, vi seu Chico Santana segurando a mulher pelos cabelos dentro de uma poça de água da chuva. Veríssimo e Arthur tentavam convencê-lo a se acalmar. A multidão também apelava. Calma Chico prá lá! Calma Chico prá cá. Ficamos um tempo, como não havia o desfecho trágico que esperávamos, voltamos ao futebol desinteressados.

Veio a noite. Cansados e sonolentos eu, meus irmãos e alguns colegas fomos para o culto na Igreja Batista de Brasiléia levados por nossa mãe. Entre uma soneca e outra eu acompanhava o desenrolar da cerimônia. Durante a pregação do pastor Paulo Souza ninguém dormia. Era um confronto aberto do homem com Deus para arrependimento dos seus pecados. Um pregador por excelência. Ele tem mais de 90 anos e mora no Rio de Janeiro.

Já no final a igreja ficou de pé e começou cantar um hino que diz mais ou menos assim:

Ao findar o labor desta vida/Quando a morte ao teu lado chegar /Que destino há de ter a tua alma/ Qual será no futuro teu lar/Meu amigo/ Hoje tu tens escolha/Vida ou morte/Qual vais aceitar? Amanhã pode ser muito tarde/Hoje Cristo de quer libertar/Tu procura a paz nesse mundo/Em prazeres que passam em vão/Mas na última hora da vida/Eles não, não te satisfarão….

Do púlpito o pastor perguntava quem queria naquela noite entregar sua vida a Cristo. Abandonar os vícios e o pecado. Arrepender-se dos seus maus caminhos. A igreja continuava cantando. Foi então que, no meu universo de menino, vi passar um gigante em direção ao púlpito. Era ele, aquela sombra grande, o seu Chico Santana indo em direção do pastor. Fiquei assustado e pensei:

– Meu Deus, esse homem vai matar o pastor, vai quebrar tudo dentro da igreja.

Procurei a mão de minha mãe e segurei firme com medo que estava. Ele caminhou até o centro da igreja onde tinha uma mesa, com uma toalha branca, entre o púlpito e os bancos. Aquele homem se ajoelhou ali, na nossa frente, tirou do bolso um fósforo e uma carteira de cigarro colocada sobre a mesa. Curvou a cabeça e falou:

– Eu quero aceitar esse Jesus!

Foi um clamor geral. Morria ali o velho Chico Santana, nascia um novo homem que toda a cidade testemunharia. Dias se passaram. Sua conversão foi verdadeira. Ele passou a frequentar nossa casa com a esposa e uma filha. A menina mais linda que vi na minha infância. Minha mãe lia a Bíblia para eles, falava de Jesus. Estavam muito sedentos com a nova condição de amor. Chico Santana, o homem forte valente, se tornou um cordeiro. Seu amor pela mulher, filho e amigos depunham em seu favor. A transformação operada em sua vida impressionava as pessoas. Nele se fez verdade o versículo que diz: “Se alguém está em Cristo é nova criação de Deus; as coisas velhas se passaram e eis que tudo se fez novo”.

Em dezembro de 1972 nos mudamos para Rio Branco. Seu Chico, a mulher e a filha ficaram na Brasiléia. Passados uns dois anos chegou uma triste e trágica notícia. Chico Santana foi colocar querosene na geladeira e ela explodiu queimando seu corpo quase todo. A cidade parou de tristeza. Trouxeram ele para a Santa Casa de Misericórdia. Todos os dias minha mãe e irmãos da igreja Batista iam visitá-lo no hospital.

Um dia de semana, acho que foi numa segunda-feira seu Chico Santana morreu. Pensei com muita tristeza na esposa e na filhinha, que agora era uma órfã. Ser órfã, por aquele tempo, comovia a todos. E agora, o que seria delas?

Na hora da janta em casa havia um clima de pesar. Foi então que perguntei: _ Mãe, seu Chico Santana morreu foi? Ela me deu a resposta mais extraordinária que um adolescente de 14 anos poderia ouvir:

– Não, meu filho! Ele não morreu, ele viveu! O irmão Chico Santana morreu na igreja quando resolveu mudar de vida e morreu fisicamente queimado, mas viveu porque encontrou a verdadeira VIDA.

Jamais esqueci aquele dia…

“Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá;
E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Crês tu nisto?

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