A estudante de veterinária Carolina Arruda, 27, estava sentada no sofá da casa da avó quando sentiu, pela primeira vez, uma forte dor do lado esquerdo do rosto.
Foi semelhante a um choque, uma facada. Na hora, eu não conseguia falar nada, só gritava e chorava.
Ela sofre de neuralgia do trigêmeo, condição crônica associada a uma disfunção ou lesão do nervo trigêmeo, que causa uma dor considerada “a pior do mundo”. O problema não melhorou.
“Eu sinto dor 24 horas por dia. Nos últimos dois anos, piorou muito. Só consigo ficar em pé por alguns minutos, não consigo trabalhar ou estudar. Meu marido é quem me dá banho.”
Carolina, que vive em Bambuí (MG), pretende sair do Brasil para realizar eutanásia ou suicídio assistido, já que os procedimentos são considerados crimes no país.
Ela criou uma vaquinha online para arrecadar dinheiro e realizar o procedimento na Suíça. “Busco apenas paz e alívio”, escreveu, no pedido na internet.
“[A eutanásia] está mais relacionada com empatia, com fornecer uma morte digna para a pessoa, Se fosse legalizada no Brasil, eu já teria feito.”
Da primeira dor ao diagnóstico
Quando sentiu as dores pela primeira vez, Carolina tinha apenas 16 anos e estava grávida de quatro meses. Entre a primeira crise até o diagnóstico, passaram-se quatro anos.
“Precisei ser hospitalizada pela primeira vez ainda na gravidez. No começo, as crises eram espaçadas. Com o tempo, foram ficando cada vez mais frequentes. Passei por 27 neurologistas até ter o diagnóstico. Os médicos não cogitavam ser neuralgia do trigêmeo porque eu era muito nova.”
Mesmo depois do diagnóstico, ela enfrentou outra saga. “Foram mais quatro anos sentindo dor até eu achar um médico que quisesse me operar, porque todos me diziam para não fazer a cirurgia porque eu era muito nova e tinha risco de sequela. Quando eu consegui operar, o nervo já estava super lesionado.”
Operações não deram certo
A estudante passou por quatro cirurgias: duas de cada lado da face. “Tenho a neuralgia dos dois lados, o que é raro. As três primeiras operações que fiz não tiveram nenhum resultado. Na última, tive uma sequela que deixou parte do lado direito do meu rosto paralisado.”
A dor que Carolina sente é tão intensa que a impede de fazer coisas básicas do dia a dia, como lavar louça, tomar banho ou brincar com a filha de 11 anos.
Hoje, minha filha mora com a minha avó, porque eu não consigo dar a atenção que ela precisa. Eu desmaio de dor e fico hospitalizada constantemente, então não tenho condição de cuidar de uma criança.
Para tentar controlar a dor, Carolina usa várias medicações. “Tomo opioides, anticonvulsivos, vários remédios para dormir, mas eu não durmo todos os dias. A dor é muito forte e me acorda, eu apenas cochilo.”
‘Compreendem, mas não aceitam’
Ela explica que a família está ciente de sua decisão de buscar a eutanásia.
“A minha filha fala que, para uma pessoa chegar ao ponto de querer tirar a própria vida, é porque a dor é muito forte. Então ela compreende. Ao mesmo tempo, diz que vai sentir falta, que eu preciso pensar nela também. A minha família fala a mesma coisa, eles compreendem, mas não aceitam.”
‘Alívio por não estar sozinha’
Atualmente, a estudante fala sobre a doença e compartilha um pouco das dificuldades do dia a dia em suas redes sociais.
Depois que eu comecei a gravar os vídeos, recebi apoio e até conheci pessoas que também têm a doença. É uma situação que me trouxe mais conforto de poder trocar experiências com elas. Porque é muito complicado, é muito solitário. Então você consegue ter um alívio de saber que não está sozinha.
O que é a neuralgia do trigêmeo
O nervo trigêmeo enerva toda a sensibilidade da face, uma parte da cabeça e também da cavidade bucal. “Normalmente, a dor ocorre de forma súbita e sem causa definida. O vento frio no rosto, escovar os dentes, mastigar ou bocejar podem ser gatilhos da dor”, explica o neurologista Wuilker Knoner Campos, presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. A neuralgia do trigêmeo é descrita como uma das piores dores do mundo.
A neuralgia do trigêmeo é mais comum em pessoas a partir dos 50 anos e acomete mais o sexo feminino, diz o neurologista. Segundo estudo feito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com a Faculdade de Medicina do Vale do Aço (Famevaço), a incidência de casos do distúrbio por ano no Brasil é de 4,5 a cada 100 mil pessoas.
A doença não tem cura e sua principal causa é o contato neurovascular. “A parede da artéria se desloca e acaba encostando no nervo trigêmeo, na parte de dentro do crânio. E quando essa artéria pulsa, ela toca o nervo, causando uma espécie de machucado”, diz o médico.
Em casos menos graves, é possível realizar tratamentos percutâneos, com anestesia local, em que a gente coloca uma agulha através da bochecha até o crânio para chegar ao nervo trigêmeo. Ali, a gente provoca a lesão parcial do nervo para cauterizar ou neutralizar os impulsos elétricos. Em casos mais graves, é necessária a realização de cirurgia para fazer esse afastamento entre a artéria e o nervo.
Wuilker Knoner Campos, neurologista
O que é a eutanásia
A palavra eutanásia vem do grego “eu” (bem) e “thanásia” (morte). Significa “boa morte” ou “morte tranquila”.
No procedimento, a morte de um paciente é induzida após o seu consentimento. Ocorre em geral com o auxílio de um médico e por meio de injeção letal e indolor.
Em países onde a eutanásia é permitida e regulamentada por lei (Bélgica, Canadá, Colômbia, Holanda e Luxemburgo), há condições específicas para a sua realização, como existência de doença incurável, sofrimento exacerbado e altos índices de dores, mediante comprovação médica.
A Holanda foi pioneira na aprovação de uma lei que torna a eutanásia um direito. A legislação entrou em vigor em 2002 e condiciona o procedimento a pacientes que estejam em sofrimento físico ou mental profundo.
No Brasil, a eutanásia e o suicídio assistido são proibidos. Aqui, quem colaborar com as práticas pode ser indiciado por homicídio doloso.
Eutanásia é diferente de suicídio assistido. No suicídio assistido (também permitido mediante uma série de normas em poucos países, como Holanda e Suíça), a pessoa que solicita o procedimento tem acesso a uma substância letal, que deve ser ingerida ou aplicada por ela própria.