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Consórcio agroflorestal aumenta opções de renda em comunidades extrativistas do Acre

Da Embrapa
Resultados de pesquisas da Embrapa Acre comprovam que o plantio de culturas agrícolas associado a espécies florestais permite aliar produção à conservação da floresta. Produtores rurais da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, localizada no Acre, adotaram diferentes consórcios agroflorestais para tornar as propriedades mais produtivas. A diversificação da produção tem possibilitado maior oferta de alimento e renda para famílias que antes viviam somente do extrativismo de produtos da floresta, como a castanha-do-brasil, além de gerar ganhos ambientais.
Segundo o pesquisador da Embrapa Tadário Kamel, os arranjos avaliados permitem duas safras de grãos nos anos iniciais e a colheita programada de frutas, com retorno econômico em curto prazo e ganhos que amortizam os custos de implantação do sistema. “Os sistemas agroflorestais (SAFs) são uma alternativa de produção sustentável para a Amazônia e outros biomas brasileiros. A tecnologia possibilita intensificar as atividades produtivas, sem uso do fogo, otimiza a ocupação do espaço físico da propriedade e contribui para o aproveitamento de áreas degradadas, entre outros aspectos que agregam benefícios às famílias rurais e ao meio ambiente”, explica.

Os SAFs são uma estratégia de produção baseada em princípios ecológicos e econômicos que permite reunir espécies distintas em uma mesma área e, desse modo, proporciona produção duradoura e melhora o uso da terra. A Embrapa investe em pesquisas sobre a eficácia desses sistemas nas diferentes regiões brasileiras. As modalidades estudadas consideram aspectos como as características das espécies, demandas do setor produtivo, especificidades do processo de implantação e condução das diferentes etapas, além da realidade do produtor rural.
No Acre, os arranjos combinam o plantio de espécies florestais típicas da Amazônia, frutíferas e culturas agrícolas de ciclo curto. Desenvolvidos em parceria com extrativistas, os estudos buscam recomendar modelos capazes de incrementar a produção e ampliar as alternativas de renda das famílias, especialmente na entressafra da castanha-do-brasil, carro-chefe da produção nas comunidades extrativistas. Por ser uma atividade sazonal, a coleta do produto se concentra no período de dezembro a março, fator que dificulta a geração de renda nos demais meses do ano.
Fase agrícola
Os estudos com SAFs em comunidades extrativistas iniciaram em 2012, com o projeto Sistemas Agroflorestais para Produção e Recuperação Ambiental na Amazônia (Saram) e a partir de 2016 passaram a receber apoio de outras iniciativas de pesquisa da Embrapa, incluindo o projeto Bem Diverso, desenvolvido em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF).
O extrativista João Evangelista, morador do seringal Porvir, comunidade localizada em Epitaciolândia, um dos cinco municípios que compõem a Resex Chico Mendes, se desfez de uma pastagem de dois hectares para aderir à produção agroflorestal. Com os pesquisadores, definiu uma combinação que alterna produção agrícola e extrativista, em diferentes momentos. Os resultados da fase agrícola agradaram tanto que o produtor dobrou o tamanho da área destinada ao sistema.
Ele conta que a lavoura de milho produziu 4,2 toneladas por hectare, o dobro da produtividade no Acre, de 2,4 toneladas por hectare na época da pesquisa. O feijão rendeu 645 quilos por hectare, resultado também superior à média do estado, de 550 quilos por hectare. Além disso, colheu cerca de mil cachos de banana por ano. Essa produção inicial gerou uma renda familiar média de R$ 4,3 mil reais por hectare/ano. “Atualmente contamos com a produção de banana e citros e já estamos planejando a primeira colheita comercial de açaí e látex de seringueira. Minha propriedade se tornou mais produtiva, sem precisar abrir novas áreas de floresta”, comemora.
A experiência despertou o interesse de outros moradores da comunidade pela tecnologia. Na propriedade de Severino da Silva Brito, o SAF de um hectare, implantado há seis anos, associa o cultivo de castanheiras e seringueiras com diferentes frutíferas. “Com as culturas da banana, cupuaçu e graviola o retorno econômico é mais imediato. Já as espécies extrativistas produzem em médio prazo e por longo tempo. Quero fortalecer a produção de castanha e látex de seringueira e, no futuro, meus filhos e netos poderão coletar esses produtos bem perto de casa”, ressalta.
Composição dos arranjos
Kamel explica que por combinar espécies florestais e diferentes culturas em uma mesma área, os sistemas agroflorestais permitem intensificar a produção e melhoram o uso da terra. Entretanto, a atividade precisa ser planejada e a definição dos arranjos deve considerar os objetivos do produtor rural – seja com foco na produção de alimentos para consumo da família ou para fins de comercialização. A escolha adequada das espécies confere diversidade à produção e permite uma produção escalonada.
“Dependendo da composição dos arranjos, é possível produzir e gerar renda no curto, médio e longo prazos. No contexto da agricultura familiar, a principal estratégia de implantação de SAF prioriza culturas agrícolas de ciclo curto nos primeiros anos e, posteriormente, o cultivo de espécies frutíferas nas entrelinhas das espécies florestais. Já o componente florestal pode garantir renda no futuro, com a oferta de madeira ou produtos não-madeireiros como óleos e sementes”, destaca o pesquisador.
Ainda de acordo com os estudos, além da oferta de produtos com valor comercial, a presença de árvores na produção agroflorestal representa uma estratégia eficiente para valorizar particularidades regionais e conservar os recursos naturais. Cada espécie desempenha uma função no sistema e, em conjunto, oferecem uma série de vantagens econômicas, sociais, culturais e ambientais no processo produtivo.
Custo do sistema
Segundo avaliações econômicas, o custo para implantação de um hectare de SAF no Acre foi estimado em R$8 mil. O valor pode variar, de acordo com o modelo adotado e com a região, em função da necessidade de serviços e insumos e dos preços praticados nos diferentes estados.
O pesquisador Claudenor Sá, que também participou dos estudos, explica que o cálculo da viabilidade econômica de um sistema agroflorestal envolve, além da renda líquida da produção, gastos com insumos e investimento para adequação estrutural da propriedade, entre outros custos relacionados.
“Quando bem planejada, a produção agroflorestal é rentável e o investimento se paga nos primeiros quatro anos, com a renda da safra agrícola. Um dos principais aspectos a considerar é a necessidade de mão de obra na condução do sistema. Cerca de 63% da renda anual obtida corresponde ao custo da mão de obra familiar empregada. Independentemente do modelo de arranjo adotado, é essencial avaliar bem essa demanda para reduzir riscos na atividade”, orienta.
Os conhecimentos técnicos sobre o desempenho e retorno financeiro de sistemas agroflorestais (leia publicação a respeito) visam orientar a tomada de decisão do produtor rural na adoção da tecnologia. Essas informações também podem subsidiar a elaboração de projetos, por instituições de apoio e fomento à produção familiar, com o objetivo de ampliar o uso de SAFs no Acre e outros estados amazônicos.
Restauração florestal
A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou a Década da ONU sobre Restauração de Ecossistemas de 2021 a 2030. A iniciativa é um chamado global à proteção e revitalização dos ecossistemas em todo o planeta e reforça a existência de R$ 2 bilhões de hectares de áreas degradadas com possibilidade de restauração no mundo. A meta inicial é restaurar 350 milhões de hectares degradados, até 2030, e os SAFs estão entre as estratégias com potencial para revitalização dos ecossistemas em diferentes biomas.
O Relatório Anual da Aliança pela Restauração na Amazônia, espécie de pacto coletivo pela conservação da floresta, apontou a existência de cerca de 2.773 iniciativas de restauração florestal na região, em 2020. Realizadas predominantemente em áreas com menos de 5 hectares, por instituições de pesquisa, incluindo a Embrapa, empresas do setor produtivo, organizações da sociedade civil e organismos internacionais, as ações contemplam um total de 113,5 mil hectares. Os sistemas agroflorestais respondem por 59% das ações.
Conforme Kamel, além de gerar renda, a produção agroflorestal tem sido uma alternativa para recompor a floresta em áreas alteradas, como forma de adequar ambientalmente propriedades rurais familiares, em atendimento a exigências legais. O Código Florestal Brasileiro prevê o uso desses sistemas para essa finalidade. Em reservas extrativistas, assim como em outras áreas da Amazônia, muitas propriedades rurais precisam sanar seus passivos ambientais resultantes da expansão da atividade agrícola, e principalmente, pecuária.
“A dinâmica de desenvolvimento das árvores em arranjos florestais se assemelha ao que acontece em uma floresta nativa. Isso favorece o uso de modelos variados de SAFs na restauração de áreas rurais, tanto na Amazônia como em outros biomas brasileiros, em pequena ou grande escala. Nesse processo, é importante considerar particularidades regionais e as exigências requeridas em cada modalidade de sistema agroflorestal”, enfatiza o pesquisador.
Menos carbono na atmosfera
De acordo com o pesquisador da Embrapa Eufran Amaral, em áreas com sistemas agroflorestais, a diversidade de espécies com variados estratos florestais e sistemas radiculares promove o aumento gradativo da biomassa florestal e da matéria orgânica. Além de proteger o solo e melhorar a biodiversidade local, esse processo natural ajuda na regulação climática e conservação dos recursos hídricos, fatores que favorecem a ampliação dos estoques de carbono (CO2) nesses locais e indicam que os SAFs podem viabilizar a prestação de serviços ambientais em comunidades rurais da Amazônia.
No Projeto Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Reca), localizado na divisa de Rondônia e Acre, os benefícios ambientais da produção agroflorestal têm se convertido em renda para 109 famílias. A experiência pioneira da comunidade, que se tornou referência em SAFs na Amazônia e também conta com pesquisas desenvolvidas em parceria com a Embrapa, inspirou ações do terceiro setor voltadas para a redução das emissões de carbono, como o Projeto de Carbono, executado pela empresa de cosméticos Natura e o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável (Idesam). A iniciativa remunera o desmatamento evitado em mil hectares de SAFs implantados há dez anos e 5 mil hectares de floresta nativa.
Entre as etapas do trabalho estão o cálculo das taxas de desmatamento, estruturação de cenários de referência e reconhecimento do protagonismo dos produtores para manter a floresta em pé por meio de práticas produtivas sustentáveis. “Cada família recebe pelos créditos de carbono gerados, de acordo com a avaliação da performance da sua propriedade. Ao mesmo tempo que melhora a renda familiar, a parceria fortalece a proposta do Reca de produzir de forma sustentável, por conciliar ganhos econômicos e ambientais. Nossa meta é zerar o desmatamento nas áreas do projeto, mas iniciativas dessa natureza devem ser ampliadas para outras comunidades”, ressalta o agricultor Sérgio Lopes, um dos parceiros do projeto.
Os sistemas agroflorestais integram o rol de tecnologias capazes de minimizar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e de ajudar o Brasil em ações para cumprimento de metas voluntárias para mitigar os efeitos das mudanças climáticas no planeta, assumidas no Acordo de Paris, durante a edição 2021 da Conferência do Clima (COP26), realizada na Escócia. “Entretanto, é necessário investir em políticas públicas específicas para aumentar o uso desses sistemas produtivos, como alternativa para fortalecer a agricultura de baixo carbono no País”, acrescenta Amaral.

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