Leilane Marinho e Stoney Pinto
O povo Nawa perdeu parte significativa do seu território na região do Juruá no “tempo das correrias”, devido aos conflitos com seringalistas interessados na exploração de recursos naturais na região, sendo sua terra reduzida ao que hoje compreende parte da área norte do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD). Suportando um processo que se estende desde 1999, a Terra Indígena Nawa é uma das muitas terras indígenas no Brasil que aguardam demarcação, em tempos de total paralisação no reconhecimento e proteção de territórios indígenas pelo Governo Federal.
“Nós estamos há 22 anos lutando e sem respostas das autoridades. Não vamos esperar mais 22 anos para ter a demarcação e não ter mais nada dentro, infelizmente para nós não terá muita serventia. Estamos cansados”, diz Railson Nawa, liderança Nawa.
Nesta situação de ausência do Estado, as lideranças Nawa relatam um crescente no número de invasões ao seu território. As invasões em sua maioria são para caça, pesca, formação de pastagem para criação bovina e retirada de madeira, além de ocupação ilegal, que prejudica as quase 50 famílias indígenas que vivem na região dos igarapés Jordão, Pijuca, Novo Recreio, Boca do Branco, 7 de Setembro, Aquidabá, Jarina, Venâncio, Jesumira e na margem direita do rio Moa.
Em 2019 o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMbio) propôs um Termo de Compromisso com as famílias da TI Nawa sobre o uso da terra em acordo com a gestão do PNSD, que ainda não foi assinado pelos indígenas. Na região onde está a TI Nawa também há as terras indígenas Poyanawa e Nukini, que junto com o PNSD somam uma área de 8.702,75 km². No lado peruano estão a Reserva Territorial Isconahua, a Comunidade Nativa São Mateo do povo Ashaninka e o Parque Nacional Sierra del Divisor, mais ao norte no limite com o estado do Amazonas as propostas de Reserva Territorial Capanahua e Yavari-Tapiche.
O processo de regularização da TI Nawa ainda está no primeiro passo, o de estudos e identificação. A Funai apresentou laudo técnico reconhecendo que originalmente os Nawa vivem naquela área e foi criado um novo Grupo Técnico para realização de estudos complementares para continuidade do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da terra. Além da antipolítica do governo federal de suspender todos os processos de demarcação de TIs no país, os Nawa também enfrentam uma questão judicial com a sobreposição com o PNSD. Nos primeiros estudos da Funai, foi indicado uma área de 83 mil hectares, mas o ICMBio contestou judicialmente e não houve acordo. Mesmo com a questão judicializada e a paralização de demarcação de terras indígenas, os Nawa buscam avançar na garantia de seus direitos e regularização fundiária.
Monitoramento territorial
Os relatos de desmatamento e invasões – que são identificados nas ações de proteção territorial e monitoramento executadas com apoio da Comissão Pró Índio do Acre (CPI-Acre), vêm se intensificando desde 2019 e só neste ano a frente de monitoramento, composta por Agentes Agroflorestais Indígenas (AAFIs), professores, lideranças e pessoas da comunidade como mulheres e jovens, identificou mais de 100 vestígios de invasões na região do Rio Azul e na outra margem do Rio Moa. Para as lideranças, a demora na demarcação beneficia o aumento do desmatamento, uma vez que são derrubadas áreas para colocar roçados e pastos e mais famílias não indígenas se estabelecem no local, podendo também obstruir a demarcação. As excursões de vigilância e monitoramento ocorrem periodicamente e fazem parte da estratégia de proteção territorial desenvolvida pelos AAFIs e lideranças, com apoio técnico da CPI-Acre, e busca fortalecer, entre outros componentes, a proteção dos territórios e a gestão integrada com outras áreas naturais protegidas. Essas ações contam com a parceria com Rainforest Foundation Norway (RFN) e WWF – Brasil.
“Nós decidimos que vamos fazer uma autodemarcação do nosso território, vamos abrir uma picada nos limites para facilitar a fiscalização e combater as invasões. Desde 2003 que estamos repassando documentos para a FUNAI e estamos nessa missão, comunicamos também com o ICMBio sobre as invasões, mas não tivemos uma resposta. Identificamos nova ocorrência de invasão para retirada de madeira para vender pra fora do território, onde os parentes identificaram e impediram que a madeira saísse. Na região do Igarapé Zumiro também está tendo muita invasão na ponta do igarapé de cima, muita caçada com cachorro, madeira e até outros ilícitos”, conta Railson.
Um dos instrumentos adotado para atualizar as informações do território Nawa foi o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA). A elaboração do PGTA da terra indígena iniciou em novembro de 2017 com apoio da Divisão do Etnozonemento da Secretária Estadual de Meio Ambiente e FUNAI. Consta no PGTA que foram registradas no território Nawa 31 localidades com malocas antigas, muitas estruturas com boas condições, e também foi destacada a presença de isolados no território e na fronteira com o Peru. De acordo com Lucila Nawa, há 3 anos foram encontradas indicações de indígenas isolados na região: tapumes feitos com folhas e cipós, sons diferentes, entre outros, que indicativos da presença desses grupos. Embora não haja vestígios físicos recentes de isolados, os Nawa acreditam que eles ainda estejam na região.
Além das invasões relatadas pelas lideranças, outra ameaça que circunda o povo Nawa, e também os Nukini e Puyanawa, é o Projeto de Lei 6024 da deputada federal Mara Rocha (PSDB-AC), que visa alterar os limites da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes e a categoria do PNSD de Unidade de Conservação de Proteção Integral para Área de Proteção Ambiental (APA). “Nós sabemos desse projeto de lei que está sendo montado, e com isso nós vamos ter que reagir e tomar providências, fazer autodemarcação”, conta Railson.
O rebaixamento do Parque Nacional da Serra do Divisor para APA seria mais um ataque a existência do povo Nawa, pois incentivaria as invasões que já são constantes. Com isso seria permitido na área de proteção a existência de propriedades privadas e o desenvolvimento de atividades econômicas, além de que facilitaria o licenciamento ambiental para a construção do trecho da BR 362, que liga Cruzeiro do Sul, no Brasil a Pucallpa, no Peru, uma grande ameaça para as populações indígenas que habitam a Serra do Divisor.