Maria do Socorro Ferreira da Silva desafia a idade. Aos 66 anos, a servidora pública conquistou oito troféus em concursos de fisiculturismo. Além disso, chegou ao 5º lugar no Campeonato Brasileiro.
A moradora do Distrito Federal começou na modalidade aos 50 anos. Os treinos ajudaram Maria a superar sucessivas perdas: a morte do filho Cleber Ferreira Brasil, 23, que tirou a própria vida; o falecimento da mãe, do irmão e do companheiro, que morreu em 2020, em decorrência da covid-19. A Universa, ela conta sua história:
“Comecei a academia aos 36 anos de idade buscando mais saúde e, claro, ter um corpo bonito. Fazia musculação e corria como qualquer outra pessoa, nem imaginava entrar no mundo do fisiculturismo. Mas, aos 50 anos, me deparei com uma situação terrível, que nenhuma mãe merece passar.
Em fevereiro de 2008, minha mãe tinha tido um AVC. Ela estava internada e fui descansar alguns dias em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, porque tinha ficado bastante tempo com ela no hospital. Fomos eu, o Cleber, minha outra filha que estava grávida e algumas amigas do trabalho.
Cleber era usuário de drogas, tinha depressão e estava lutando há bastante tempo para tentar sair do vício. Acreditei que aquela viagem poderia melhorar, de algum jeito, toda essa situação.
Em um dia da viagem, ele estava dormindo comigo, mas neste mesmo dia ele tirou a própria vida. Os meses seguintes foram os piores da minha vida. Tentei tirar a minha vida duas vezes.
O tempo foi passando e continuei recebendo muito apoio de todos. Fui aprendendo a lidar com a situação porque não tinha escolha, meu filho não voltaria. Eu sabia que jamais iria superar porque não tem como, né? Mas desistir nunca foi uma opção pra mim.
“O fisiculturismo me salvou”
Na academia, comecei a me interessar pelos treinos de musculação e, consequentemente, de fisiculturismo. Cada vez mais, estava mergulhada nesse universo, justamente pra não ficar pensando em besteira.
Saí da corrida, pois estava procurando um nutricionista e ele disse que meu corpo não aguentaria fazer as duas coisas, ou seja, correr e treinar para ser fisiculturista. Mas realmente queria muito aquilo para mim. Parei de correr e foquei apenas no cárdio e musculação.
Continuava vivendo um período muito difícil, lidar com essa perda. Sempre digo às pessoas que é importante ter seu momento de luto, mas também saber quando parar e buscar algo para interromper esse luto. Foi então que me dediquei totalmente ao fisiculturismo.
Logo depois, minha mãe faleceu, em 2009. Em 2015, perdi meu irmão por insuficiência respiratória. Ele tinha HIV e desenvolveu um câncer oportunista. Em 2018, perdi outro irmão que cuidava de um irmão esquizofrênico. Agora, sou eu quem tem a responsabilidade legal sobre esse irmão.
Depois de tantas perdas, conheci um rapaz e fui morar com ele. Ele me ensinou a ser respeitada, amada e cuidada, mesmo sendo mais novo que eu. Infelizmente, ele faleceu aos 40 anos, vítima da covid-19, em 2020.
Essas perdas me fortaleceram. Encontrei força através do esporte, especialmente do fisiculturismo, que me trouxe disciplina, horários de treino e o cuidado com a alimentação. O fisiculturismo me salvou.
Esporte é vida. As pessoas não têm noção do que é praticá-lo. O corpo não foi feito para ficar parado, não foi feito para a inércia. Nosso corpo foi feito para ser usado, para ser trabalhado, entendeu? Então, as pessoas precisam perceber isso.
Em vez de tantas pessoas recorrerem a antidepressivos e outros remédios, há outras opções, né? Há outras alternativas que não significam o fim. O que acontece em situações como essa não é o fim. Às vezes, é apenas o começo. E eu descobri isso aos 50 anos, quando comecei a competir.
“Vou fazendo as coisas acontecerem”
Competi pela primeira vez em 2010 e ganhei várias medalhas e troféus. Não tenho prazo, não coloco prazo em nada. Minha idade não é medida por quantidades ou números, não penso nisso, nem quero saber quando vou parar. Por enquanto, vou vivendo, fazendo as coisas acontecerem.
Como eu disse, desistir nunca foi uma opção para mim, essa palavra não existe no meu vocabulário.
Já ouvi críticas de pessoas pelo meu corpo —porque tenho o braço forte=- e até da minha idade, mas na verdade não me importo. Inclusive, estou me preparando para o Campeonato Brasiliense e para o Brasileirão, em Belém (PA), respectivamente em junho e julho.
Qual o segredo da felicidade?
Sou conhecida no trabalho e na academia por ser extremamente feliz. Acredito que não há segredo, não há receita de bolo, é apenas fazer acontecer. Vou lá e faço, não fico me questionando, não paro porque é difícil, porque é um teste de Deus, nada disso.
Tem até uma passagem bíblica que ilustra bem isso, sobre o rei Davi. Eles disseram a ele que seu filho estava doente. Ele ficou orando, de joelhos, chorando por vários dias. Quando seus assessores se aproximaram, ele já suspeitava que seu filho tinha morrido. Então, quando lhe confirmaram a notícia, ele simplesmente se levantou, foi comer, tomar banho, se vestir e agradecer.
Então é isso. Tenha seu momento de luto, mas saiba quando parar. Não alimente a tristeza. Essa é a mensagem que eu queria passar para as pessoas.
“Chore quando precisar, mas ressignifique. Há muitas outras maneiras de lidar com a escuridão. Sempre há uma luz no fim do túnel.”