O relatório Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos, lançado hoje (28), pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostra que, no Brasil, cerca de 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio, e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas. A publicação é para lembrar a data dedicada ao Dia Internacional da Dignidade Menstrual.
O relatório traça um panorama sobre a pobreza menstrual, caracterizada pela falta de acesso a recursos, infraestrutura e até conhecimento por parte de pessoas que menstruam para cuidados envolvendo a própria menstruação. A pobreza menstrual, segundo a publicação, não significa apenas a falta de acesso a absorventes – descartáveis ou não -, mas também a ausência de saneamento básico, água e infraestrutura de higiene na casa e na escola, além de informações adequadas.
No Brasil, esse quadro afeta meninas que vivem em condições de pobreza e situação de vulnerabilidade em contextos urbanos e rurais, por vezes sem acesso a serviços de saneamento básico, recursos para higiene e conhecimento mínimo do corpo.
“Além de privação de chuveiros em suas residências, 4 milhões de meninas sofrem com pelo menos uma privação de higiene nas escolas. Isso inclui falta de acesso a absorventes e instalações básicas nas escolas, como banheiros e sabonetes. Dessas, quase 200 mil alunas estão totalmente privadas de condições mínimas para cuidar da sua menstruação na escola”, diz o Unicef.
Os dados mostram ainda que os estados do Acre (5,74%), Maranhão (4,80%), Roraima (4,13%), Piauí (4,00%) e Mato Grosso do Sul (3,61%) são os que apresentam os maiores percentuais quanto ao total desatendimento mínimos de itens para a higiene pessoal nas escolas.
O estudo alerta para a importância da situação ao lembrar que, se estiverem cursando a série adequada para a idade, quase 90% das meninas passarão de 3 anos a 7 anos da sua vida escolar menstruando e que a situação persistente de pobreza menstrual pode resultar em ausência da escola e até em abandono escolar.
No geral, o estudo mostra ainda que as meninas brasileiras também estão sob situação de grande vulnerabilidade envolvendo outros serviços básicos que são essenciais para garantir a dignidade menstrual: 900 mil não têm acesso a água canalizada em seus domicílios e 6,5 milhões vivem em casas sem ligação à rede de esgoto.
O fenômeno é afetado por outras variáveis envolvendo a desigualdade racial, social e de renda. De acordo com o estudo, a chance de uma menina negra não ter acesso a banheiros é quase três vezes a chance de encontrarmos uma menina branca nas mesmas condições.
O Unicef e o UNFPA apontam que uma família com maior situação de vulnerabilidade e renda menor tende a dedicar uma fração menor de seu orçamento para itens de higiene menstrual e que muitas vezes as meninas e mulheres recorrem a soluções improvisadas para conter o sangramento menstrual, com pedaços de panos usados, roupas velhas, jornal e até miolo de pão.
Em outros casos, as meninas e mulheres não têm acesso a um número suficiente de absorventes descartáveis para fazer as trocas necessárias ao longo do dia, conforme indicação de ginecologistas. Essas situações podem implicar problemas de ordem emocional e fisiológica, como alergias e infecções da pele e mucosas, infecções urogenitais como a cistite e a candidíase, e até uma condição que pode levar à morte, conhecida como Síndrome do Choque Tóxico.
O relatório alerta ainda para o que considera uma “vilanização” dos produtos de higiene menstrual descartáveis, sob o discurso de proteção ao meio ambiente. Esse tipo de atitude muitas vezes “desconsidera as necessidades de menstruantes que vivem em situação de vulnerabilidade, em que não há acesso à água limpa para a higienização adequada dos [produtos] reutilizáveis”.
Segundo a representante do UNFPA no Brasil, Astrid Bant, a ausência de condições sanitárias mínimas para que as pessoas possam gerenciar sua menstruação é uma violação de direitos humanos.
“Quando não permitimos que uma menina possa passar por esse período de forma adequada, estamos violando sua dignidade. É urgente discutir meios de garantir a saúde menstrual, com a construção de políticas públicas eficazes, com a distribuição gratuita de absorventes, com uma educação abrangente para que as meninas também conheçam seu corpo e o que acontece com ele durante o ciclo menstrual. É o básico a ser feito para que ninguém fique para trás”, defende Astrid Bant.
O tema exploração sexual infantil tem chamado a atenção de parlamentares no Congresso Nacional. Estão em análise na Câmara dos Deputados pelo menos dez projetos de lei visando garantir o acesso de mulheres de baixa renda a absorventes higiênicos, para combater a pobreza menstrual.
Entre as propostas, está o Projeto de Lei (PL) 4968/19, da deputada Marília Arraes (PT-PE), que cria um programa financiado pelo Ministério da Saúde de distribuição gratuita de absorventes higiênicos para todas as alunas das escolas públicas de nível fundamental e médio, por meio de cotas mensais.
Outra proposta, o PL 672/21, da deputada Lauriete (PSC-ES) prevê o fornecimento gratuito de absorventes e tampões higiênicos não apenas para estudantes de escolas e universidades públicas, como para famílias inscritas no Cadastro Único para programas sociais do governo federal (CadÚnico).
Já o PL 128/21, do deputado Dagoberto Nogueira (PDT-MS) também prevê o fornecimento gratuito dos produtos a famílias inscritas no CadÚnico. A diferença é que a proposta quer reduzir a zero as alíquotas da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da contribuição para o PIS/Pasep incidentes sobre os absorventes e tampões higiênicos.