Talvez você já tenha lido algo sobre uma tal “matéria escura” do universo e se frustrou por não saber do que se trata. Não se preocupe, os astrônomos também não sabem. A ciência pode inferir que o material existe, sendo possível até mesmo dizer quanto dele existe, mas as certezas não vão muito além. Poderíamos resumir a ópera dizendo apenas “não sabemos ao certo”, mas há muitas entrelinhas interessantes sobre o assunto.
O que é matéria escura?
Quando o Telescópio Espacial Hubble, no final da década de 1990, trouxe uma infinidade de novas observações incríveis de objetos distantes — e, portanto, antigos —, os astrônomos descobriram algo surpreendente: o universo em épocas remotas se expandia mais lentamente do a expansão que é observada hoje. Isso foi muito difícil de explicar, porque até então os cientistas estavam em parte certos de que a taxa de expansão do universo diminuiria por causa da gravidade das grandes estruturas como as galáxias.
Então, os teóricos chegaram a três tipos de explicação, e uma delas trouxe de volta à mesa uma versão há muito descartada da teoria da gravidade de Einstein, que fala a respeito de algo chamado “constante cosmológica”. Albert Einstein foi a primeira pessoa a perceber que o espaço vazio não é um grande “nada”, com alguns objetos aqui e ali. O espaço tem propriedades, e a primeira dela a ser descoberta por Einstein é a possibilidade de que mais espaço passe a existir. Enfim, na segunda versão da teoria da gravidade, o físico alemão prevê que o “espaço vazio” pode possuir sua própria energia.
Como essa energia é uma propriedade do próprio espaço, ela não é diluída com a expansão do universo. E se a expansão segue cada vez mais rápida, talvez Einstein estivesse certo sobre todas essas ideias, o que leva a algumas conclusões ainda mais interessantes. Por exemplo, a de que mais dessa “energia” estranha surge à medida que o espaço se expande e aumenta. Como resultado, essa forma de energia faria com que o universo se expandisse cada vez mais rápido. Essa energia é conhecida hoje como “energia escura”, e ela é importante para entender um pouco a matéria escura.
Acontece que com novas observações e muitos cálculos, os cientistas finalmente chegaram ao número correspondente à energia escura existente no universo, baseado no que se sabe sobre a expansão do universo. A conclusão é de que cerca de 68% do universo é feito de energia escura, enquanto a matéria que conhecemos corresponde a apenas 5% do universo. Tudo o que vemos, de galáxias a planetas — incluindo eu e você — é apenas 5% de todo o cosmos. O resto são as coisas que não podemos ver, então chamamos de “escuro”.
Você percebeu que a conta não fecha (68% de energia escura + 5% de matéria normal)? Pois bem, o restante que falta para completar 100% do universo só pode ser explicado pelo que chamamos de “matéria escura”. Assim, essa matéria invisível representa cerca de 27% do universo. Mas do que é feita essa matéria? Difícil dizer, pois se não podemos ver, significa que ela é feita de algum tipo de partícula que ainda não conhecemos. Mas há algumas hipóteses para explicar que partícula seria essa.
Candidatos a matéria escura
Embora seja difícil descobrir o que é a matéria escura, podemos descartar muitas coisas. Por exemplo, toda a matéria bariônica — ou seja, ela não é nada que possa ser formado por prótons, nêutrons e elétrons. Se a matéria escura fosse bariônica, os cientistas poderiam detectá-la, já que eles são capazes de encontrar nuvens bariônicas distantes e escondidas, medindo quanta radiação foi absolvida quando alguma luz passa por elas.
Também podemos descartar a antimatéria, pois não foram detectados os raios gama que são produzidos quando a antimatéria e a matéria se aniquilam em um encontro fatal. Por último, a maioria dos cientistas também descarta grandes buracos negros primordiais do tamanho galáxias. É que se a matéria escura fosse algo assim, os astrônomos veriam uma distorção da luz nas regiões onde estaria localizada. Essa distorção da luz pela gravidade é chamada de lente gravitacional, e foi prevista por Einstein, e mais tarde comprovada várias vezes pelos astrônomos.
Axions
Os áxions são um tipo de partícula hipotética que, se existirem, raramente poderiam interagir com a matéria normal. Ela a foi proposta pela primeira vez há mais de 40 anos, mas ainda não foi encontrado sinais de que realmente existe no universo. Ainda assim, é considerada a melhor explicação para a matéria escura. De acordo com a tese, se os áxions tiverem uma massa baixa dentro de uma faixa específica, eles podem ser um possível componente da matéria escura.
Essas partículas seriam mais ou menos como neutrinos. Ou seja, teriam pouquíssima interação com a matéria conhecida do universo. Assim como neutrinos, áxions seriam capazes de viajar pelo cosmos atravessando todo tipo de objetos — inclusive nossos corpos —, em linha reta, quase sem deixar rastros de suas passagens. Outra semelhança entre essas duas partículas é que ambas se formam no interior do núcleo das estrelas. A principal diferença é que apenas os neutrinos têm a existência comprovada.
Curiosamente, o áxion foi proposto pela primeira vez por Roberto Peccei e Helen Quinn não para explicar a matéria escura, mas como uma solução para algo chamado “violação CP” (um problema da cromodinâmica quântica). Essa proposta ficou conhecida como teoria de Peccei-Quinn.
Neutralinos, neutrinos estéreis, gravitinos
Já o neutralino, também hipotético e considerado um candidato a ingrediente da matéria escura, é previsto por uma teoria da física de partículas. Haveriam quatro neutralinos, todos eletricamente neutros. Cogita-se que o mais leve dos quatro seja estável e que todos eles interagem com a força fraca.
Há outros candidatos menos conhecidos para matéria escura, tais como os neutrinos estéreis. São partículas semelhantes aos neutrinos normais, só que muito mais massivos e incapazes de interagir com a força fraca. A existência dessa partícula também nunca pode ser comprovada — na verdade, os estudos atuais apontam que, caso neutrinos estéreis existam, as experiências mais avançadas seriam contraditórias.
Matéria escura quente, fria e morna
Também há algumas ideias diferentes para a forma da matéria escura. Na matéria escura fria, as partículas se moveriam lentamente em relação à velocidade da luz e interagem muito fracamente com matéria normal. Além disso, possuiria radiação eletromagnética. Essa é a ideia mais aceita pelos teóricos, sendo que os áxions, os neutrinos estéreis e os neutralinos, seriam as partículas que formam esse tipo de matéria escura, já que elas são consideradas como fracas na interação com a matéria bariônica.
Por outro lado, a matéria escura quente é uma forma oposta — suas partículas viajam em velocidades ultrarelativísticas, ou seja, muito próximas à velocidade da luz. Essa ideia não é tão popular porque não pode explicar como as galáxias individuais se formaram a partir do Big Bang, coisa que a matéria escura fria é mais capaz de fazer. A radiação cósmica de fundo em micro-ondas (um tipo de “fóssil” do universo, que leva os astrônomos aos primeiros milhões de anos após o Big Bang) é muito suave e as partículas em movimento rápido não podem formar aglomerados tão pequenos quanto as galáxias em um estado inicial, que era o universo primitivo.
Por fim, a matéria escura morna teria propriedades intermediárias entre a matéria escura quente (já descartada pelos cientistas) e a matéria escura fria. As partículas desse estado de matéria mais comuns são os mesmos que vimos na matéria escura quente: neutrinos e gravitinos estéreis.
Será que matéria escura existe mesmo?
Pode ser um pouco difícil ter certeza sobre alguma coisa que ainda não é possível ver, mas os astrônomos estão certos de que a matéria escura existe por um motivo — a gravidade. É que, além dos motivos apresentados no início da matéria, as grandes estruturas cósmicas como as galáxias só podem ser explicadas se considerarmos a matéria escura. Um bom exemplo é a galáxia abaixo. A NGC 5585 parece como qualquer outra galáxia espiral, mas há algo estranho nela.
As nuvens de poeira e gás da NGC 5585, reveladas nesta imagem do Hubble, contribuem com apenas uma pequena fração da massa total da galáxia. Na verdade, isso não é tão estranho assim, pois muitas outras galáxias apresentam essa discrepância na distribuição de massa em relação à matéria visível. Isso só pode ser explicado com a matéria escura. Ah, sim, é possível calcular a massa de uma galáxia, mesmo sabendo que o resultado será muito maior do que a soma de toda a massa visível. Para isso, os astrônomos usam um método baseado na velocidade de rotação da galáxia.
Bem, dito isso, estranho mesmo é encontrar uma galáxia sem matéria escura. Isso aconteceu mais de uma vez, embora já exista uma resposta para alguns dos casos. Em 2018, por exemplo, astrônomos perceberam que a galáxia NGC 1052-DF4 parecia não ter matéria escura. Agora, esta galáxia está desmoronando — aliás, isso prova que a matéria escura não apenas é real, como é fundamental para manter as coisas no lugar.
Pois é, a NGC 1052-DF4 não formou novas estrelas em cerca de 7 bilhões de anos e, de acordo com um estudo recente, está prestes a ser destruída. Mas para onde foi a matéria escura dessa galáxia? A resposta é simples: ela é bem antiga, com pelo menos alguns bilhões de anos, conseguiu se formar com sucesso, mas em algum momento ela interagiu gravitacionalmente com sua galáxia “irmã”, bem maior e mais massiva, chamada NGC 1052. Então, essa galáxia maior “roubou” a matéria da NGC 1052-DF4. Afinal, o objeto de maior massa sempre atrairá para si a matéria do objeto de menor massa, e isso também vale para a matéria escura.
Cada vez mais os astrônomos estão convencidos de que o universo não pode ser explicado sem a matéria escura. Por isso, descobrir do que ela é feita, é fundamental para, de fato, explicar o cosmos, sua origem, seu futuro e nosso lugar nele.
Fonte:CanalTech, NASA, Chandra, ESA/Hubble