O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada divulgará, nesta quarta-feira (26), a edição 36 do Boletim de Análise Político-Institucional (Bapi), com foco em produções de pesquisadores voltados para o tema da violência na Região Norte. Em paralelo, o Ipea também lançará o livro Dinâmicas da Violência e da Criminalidade na Região Norte do Brasil. A macrorregião Norte desponta no cenário brasileiro como uma das que observaram maior aumento da criminalidade e da violência letal nos anos recentes. Enquanto a taxa de homicídios do país cresceu 85% entre 1980 e 2019, o Norte registrou avanço de 260,3% no mesmo período.
Com 11 artigos, o boletim do Ipea dialoga sobre eventos como o garimpo, o narcotráfico e o agronegócio como facilitadores do aumento da violência no Norte, sobretudo para populações tradicionais, entre elas os povos indígenas. Pesquisadores de Universidade Estadual do Amazonas, Universidade Federal do Pará e outras instituições locais explicam que tais ocorrências não são novidade: decorrem de disputas que envolvem a posse e propriedade da terra, a exploração de recursos naturais, o controle de rotas do narcotráfico, entre outras mazelas que têm impactado sobremaneira as populações urbanas e rurais da região.
Já o livro Dinâmicas da Violência e da Criminalidade na Região Norte do Brasil, organizado pela técnica de planejamento e pesquisa do Ipea Maria Paula Gomes dos Santos, é parte de um projeto que pretende compreender as dinâmicas sociais, territoriais e criminais que afetam as taxas de homicídio nas macrorregiões brasileiras. Tomando por base dados de diversas fontes, como o Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, e o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança Pública, do Ministério da Justiça e Segurança Pública – os quais permitem quantificar eventos criminais e violentos em estados e municípios do país –, o projeto buscou identificar qualitativamente os fenômenos que lhe dão origem, assim como seus possíveis determinantes.
A região Norte tem chamado a atenção por suas taxas de homicídio, que se mantêm elevadas mesmo ante a redução da taxa média nacional, observada desde 2017. “A pesquisa indica que isso decorre de conflitos em torno da posse e da propriedade da terra; da exploração desregulada dos recursos naturais; das tensões entre grupos populacionais muito diversos, que disputam meios e modos de vida. A estes fatores, agrega-se ainda a presença cada vez mais ostensiva de organizações criminosas que, originárias dos mercados ilegais de drogas, encontraram na região oportunidades de diversificação criminal junto ao comércio ilícito de produtos minerais, florestais e animais”, reforça Maria Paula, da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea.
A análise do processo histórico de ocupação da região, por sua vez, revela que esses problemas se devem muito ao modelo de desenvolvimento autoritário que orientou sua integração à economia nacional, principalmente durante o regime militar (1964-1985). “Desprezando a floresta, a magnífica hidrografia local e os povos originários da região, as políticas desenvolvimentistas daquele período constituíram múltiplos grupos de interesse que hoje colidem e se confrontam, processando suas diferenças frequentemente à bala. Diante deste quadro, cabe ao Estado brasileiro, por meio de suas diversas instituições, ampliar sua capacidade de mediar conflitos de forma justa e democrática”, acrescenta a pesquisadora.
“Temos uma tradição importante no Ipea de olhar indicadores gerais. Juntar esses indicadores gerais com aproximações de realidades e dinâmicas é fundamental para entender os fenômenos. Essa pesquisa junta essas duas dimensões das nossas análises com o que o Ipea tem que fazer melhor, que é assessorar e discutir políticas públicas”, afirmou Luciana Mendes Santos Servo, presidenta do Ipea. Destacou ainda a importância do Ipea ampliar seu conhecimento sobre a região Norte. “Aproximar-se dela em todas as dimensões é fundamental para que possamos fazer políticas públicas integradas”. Adicionalmente afirmou, também, que essa discussão se conecta com várias agendas estratégicas do Ipea, incluindo a questão climática, de gênero e raça e entendendo o território como central nessas discussões.
Ela destacou que esse é o primeiro evento de uma série que comemora os 60 anos do Ipea, sendo simbólico que seja um evento sobre uma agenda de pesquisa que integra múltiplas dimensões e feita em rede com inclusão de pesquisadores locais.
“Nos deslocamos para a Região Norte e para conversar com as pessoas. Fizemos mapeamento de atores institucionais da segurança e também dos pesquisadores e dos núcleos de pesquisa que se dedicam a compreender e tratar das realidades locais. É de uma relevância muito grande podermos dar esse tipo de contribuição ao debate, nos aproximando da realidade dos territórios, nos aproximando dos dramas que vivem as populações, das questões que marcam a dinâmica de desenvolvimento, a dinâmica socioeconômica local, porque criminalidade e violência não acontecem alheias a uma dinâmica que envolve as forças econômicas, sociais e políticas que atuam no território”, explica Luseni Aquino, diretora de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest/Ipea).
Segundo a pesquisadora, parte do objetivo do projeto foi realmente a qualificação da compreensão dos desafios da segurança pública, para além dos números e com foco no território, “ É para que a nossa atuação como apoiadores técnicos do governo federal na área de segurança pública , alcance um novo patamar”, finaliza.