Por Bibiana Alcântara Garrido* —
De 2003 a 2020, as áreas protegidas na Amazônia registraram 67% menos área queimada do que locais sem proteção, revela o maior estudo sobre a contribuição das áreas protegidas para a redução do fogo na bacia amazônica, publicado na edição de dezembro da revista científica Ecological Economics.
Os pesquisadores analisaram mais de 87 mil pixels – um pixel é igual a uma área de 25 km² – capturados via satélite, ao longo de 18 anos, para a região de 6 milhões de km². Em cada pixel, ou em cada pedaço protegido de 25 km², o estudo descobriu que a ocorrência de fogo causado por ação humana pode chegar a ser 12% menor.
Para calcular o efeito “contra fogo”, o grupo considerou diferentes tipos de áreas protegidas, divididas entre as de uso direto, como as Unidades de Conservação de Uso Sustentável (ex.: Áreas de Proteção Ambiental, Reservas Extrativistas e Florestas Nacionais); e as de uso indireto, como as Unidades de Conservação de Proteção Integral (ex.: Parques e Reservas Biológicas).
“Os resultados são robustos e indicam que a maior redução de fogo foi encontrada nas áreas protegidas estaduais. Isso é especialmente inédito, e bastante relevante para a discussão de melhorias na gestão dessas áreas”, diz Ana Carolina Pessôa, pesquisadora do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e principal autora do artigo.
O estudo é o primeiro do tipo com uma grande escala temporal e geográfica na bacia amazônica. Também é pioneiro ao contribuir para a superação de desafios metodológicos encontrados em pesquisas anteriores, propondo soluções para problemas estatísticos devido ao enviesamento na seleção dos dados e a fatores que poderiam influenciar a ocorrência de fogo nas áreas protegidas, por exemplo, o desmatamento e as mudanças climáticas.
“É importante ressaltar que estamos falando do fogo causado por ação humana em toda a Amazônia, seja o fogo usado culturalmente, de manejo agrícola, ou até o iniciado de maneira criminosa intencional. De modo geral, podemos afirmar que a criação de áreas protegidas que antes já haviam sido consideradas escudos para o desmatamento, também diminuem o fogo”, explica a pesquisadora.
De 2017 a 2020, o desmatamento anual na Amazônia caiu 11% em relação ao registrado de 2003 a 2016, mas cresceu 74% dentro de áreas protegidas no mesmo período. Já a área queimada de 2017 a 2020 foi 10% menor em toda a bacia amazônica, aumentando em 18% nas áreas protegidas. Isso mostra que apesar de serem efetivas, essas áreas também são ameaçadas.
A expansão agropecuária e a degradação florestal oferecem riscos às áreas protegidas, na medida em que aumentam a probabilidade de um incêndio cruzar os limites de suas bordas e afetar a sociobiodiversidade nesses locais. Isso porque a vegetação fragmentada fica mais exposta e vulnerável ao alastramento do fogo.
Os pesquisadores indicam que os resultados do estudo podem nortear políticas públicas de fortalecimento e criação de áreas protegidas na bacia amazônica. Na Amazônia brasileira, uma das propostas é a designação de florestas públicas não destinadas para unidades de conservação.
“As áreas protegidas podem ajudar a cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 e a mitigar as mudanças climáticas, aumentando a capacidade global de sequestro de carbono”, diz um trecho do artigo.
Sem investimento em áreas protegidas, alertam os autores, as ameaças já correntes podem acabar com os efeitos benéficos da proteção dos ecossistemas, comprometendo as metas climáticas nacionais no Acordo de Paris.
“O novo governo brasileiro deveria investir na fiscalização de áreas protegidas. É uma recomendação que decorre do poder, evidenciado neste estudo, de proteção para conter distúrbios ambientais capazes de cruzar os limites das unidades de conservação”, sugerem os autores.
Acesse o estudo em https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S092180092300246X
*Jornalista de ciência no IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br