O brincar é atividade fundamental na promoção da saúde na infância. Nesse contexto, o Saúde e Brincar, núcleo de atenção integral à criança hospitalizada do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), com caráter interdisciplinar e que congrega assistência, pesquisa e ensino, reforça a vivência lúdica como elemento de conexão com a potência criadora que habita cada um. “Nos contextos de hospitalização prolongada, o brincar assume especial valor quando o hospital muitas vezes se torna a “casa” da criança e de seu acompanhante”, explica a coordenadora do Núcleo Saúde e Brincar do Instituto, Roberta Tanabe.
Reconhecendo a necessidade de conscientizar todos de sua importância, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estabeleceu, em 1999, o dia 28 de maio como o Dia Internacional do Brincar. Esse ano, a Aliança pela Infância elegeu o tema “Casinhas das Infâncias” para celebrar a importância desse lugar que foi simbolicamente ressignificado durante a pandemia. “Na canção A Casa, o poeta, cantor e compositor, Vinícius de Moraes, fala sobre a casa engraçada da infância recheada de ausências. Lá não havia teto, chão, paredes ou penico. Viajando na sua proposta, rimos de sua impossibilidade que se concretiza no espaço imaginário da infância. Cada um, em seu mundo de faz de contas, constrói a sua de acordo com preferências e desejos, desobedecendo enquadramentos ou censuras”, analisa a terapeuta ocupacional do Núcleo Saúde e Brincar do Instituto, Fernanda Maia.
Fernanda explora o termo infâncias para valorizar o plural e contemplar a diversidade de perspectivas que nela cabem. “A casa da infância que apresentamos no IFF/Fiocruz, de certa forma se aproxima da de Vinícius por suas insólitas peculiaridades que, no entanto, não são objeto da imaginação. Ela funciona subvertendo as regras daquilo que convencionamos designar como casa”, completa.
A psicóloga do Núcleo Saúde e Brincar do Instituto, Anita Silva Paez, traz a canção para a realidade dos usuários do IFF/Fiocruz e comenta que os “vizinhos” de bem perto se tocam apenas nos olhares, em encontros assépticos e controlados. “Não há sala de estar, portas de quarto, mesa de refeições, privacidade, nem lei do silêncio. Há sempre luz acesa, vozerio de conversações, alarmes e bipes. O espaço de convivência é o leito, onde visitantes chegam sem convites e partem sem cerimônias”, observa ela.
Anita afirma que a garantia de permanência no Instituto requer que a saúde dos usuários esteja em desalinho e o tempo da estadia não atende à vontade dos “inquilinos”. “As ausências são plurais e englobam a convivência em família, na escola e na cena pública. O estranhamento natural surge quando descobrimos ser esse lugar a “casa” real – se assim podemos lhe denominar – para muitas crianças que nascem e vivem sob as contingências de condições graves e incuráveis”, reflete ela.
O hospital e seus recursos oferecem a chance de os usuários permanecerem vivos, mas em troca demandam renúncias e sacrifícios que envolvem os pequenos e os seus acompanhantes. Em tempos de pandemia, as crianças que vivem no hospital veem ainda mais restritas suas possibilidades de interação. “Mesmo com toda a limitação, o hospital também é uma das “casinhas das infâncias”, pois casa é símbolo de acolhimento, segurança e proteção. Tais valores podem estar situados em lugares inimaginados, sejam eles físicos ou não. Nesse espaço convivem fios, tubos com brinquedos, respiradores, colchas coloridas e paredes brancas. Embora frequentemente associado a dor e sofrimento, hospital também é lugar de brincar”, destaca Roberta.