O trabalho hercúleo liderado pelos próprios indígenas para combater as chamas durou três longas horas. A água, escassa naquela região principalmente durante o “verão amazônico”, foi carregada em baldes. Galhos de árvores serviram como abafadores de fogo improvisados. Com as queimadas em alta nos arredores de Rio Branco e a distância de 36 quilômetros do quartel mais próximo, os bombeiros demoraram para chegar à localidade – o que ampliou os danos, ameaçando até as casas dos Huni Kuin. O que sobrou foi um cenário desolador: o solo tomado por cinzas.
Os prejuízos poderiam ter sido amenizados e as chamas controladas logo no início se os integrantes da comunidade tivessem ferramentas adequadas e fossem treinados como brigadistas. Pensando em prepará-los para esse tipo de ação e em reduzir os danos à biodiversidade local, em junho deste ano, o WWF-Brasil doou para a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Acre (Sema-AC) 696 peças de combate ao fogo – como abafadores, sopradores, bombas-costais, motobombas e caixas d’água – e equipamentos de proteção individual (EPIs) – como máscaras, botas e óculos.
A Sema, por sua vez, se comprometeu a capacitar os brigadistas. Com apoio do Corpo de Bombeiros e do Batalhão de Policiamento Ambiental, cinco moradores do Centro Huwã Karu Yuixibu tiveram aulas teóricas e práticas de combate ao fogo e primeiros socorros no início de agosto. E cada brigadista recebeu um kit com equipamentos. De lá para cá, foram realizados outros quatro cursos. No total, a Sema já treinou 25 brigadistas. Outros 20 ainda serão formados nas próximas semanas.
Os brigadistas atuarão nas nove Unidades de Conservação (UCs) estaduais: nas áreas de Proteção Ambiental Lago do Amapá e Igarapé São Francisco; nas florestas do Antimary, do Rio Gregório, do Mogno, do Liberdade e do Afluente; no Parque Estadual do Chandless e na Área de Relevante Interesse Ecológico Japiim Pentecoste. Juntas, essas unidades somam uma área de 152.000 km2.
Freitas Filho, tenente do Corpo de Bombeiros e um dos orientadores dos treinamentos, salienta que o material doado pelo WWF-Brasil e a capacitação dos brigadistas permitem o combate dos focos de fogo ainda na fase inicial, reduzindo os riscos de expansão das chamas. “Os equipamentos e a formação vão nos ajudar muito, pois os comunitários saberão como agir”, diz.
A capacitação envolve aulas teóricas, que abordam as temáticas da biodiversidade, ciclos biogeoquímicos e conservação do solo e da água, e práticas – sempre com orientação e supervisão de técnicos da Sema e de bombeiros. Uma pequena porção de vegetação é incendiada para que os alunos possam simular o combate real ao fogo, usando equipamentos como abafadores e bombas-costais, além das técnicas de construção de aceiro.
Os brigadistas que estão participando das formações são moradores das UCs. Por conhecerem melhor do que ninguém a área e a realidade dessas comunidades, a tendência é de o resultado ser muito mais eficaz, pois não será necessário esperar horas ou até dias para a chegada de bombeiros em locais remotos e de difícil acesso.
“No ano passado, nós tivemos que lidar com essa realidade do fogo, quando cinco hectares da nossa terra foram queimados. Esse presente que a gente recebeu com grande alegria vai nos ajudar a conservar nossa floresta. É um momento de celebrar, um avanço que a gente está vivendo, em ver nossa qualidade de vida melhorar”, disse Mapu Huni Kuin, liderança do Huwã Karu Yuixibu. “Com a parceria do WWF-Brasil, estamos realizando essas capacitações. É uma ação que vai além da educação ambiental, é uma resposta que chega diretamente aos comunitários”, acrescentou Israel Milani, secretário estadual de Meio Ambiente do Acre.
A situação das queimadas no Acre é uma das mais preocupantes entre os estados da Amazônia Legal. Em agosto, o estado teve o terceiro maior registro de foco de queimadas na região, ultrapassando Mato Grosso e Rondônia. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam 3.578 focos nos 31 dias do mês passado. Entre os estados da região Norte, o Acre é o que apresenta a maior probabilidade de ser afetado por fogo dentro da floresta nativa: 85%, segundo estimativas da Nasa, a agência espacial americana.
Fonte – Do WWF