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Câncer em jovens: diagnósticos estão aumentando em pessoas com menos de 50

Três anos atrás, o bancário Gabriel Koschky começou a sentir dores embaixo da costela. Tinha 35 anos e, por causa da pouca idade, não se preocupou. Como sempre treinava, pensava ser uma dor muscular que logo passaria. Mas não foi o caso. No pronto-socorro, durante um ultrassom abdominal, descobriu a existência de vários tumores no fígado.

“O médico disse que o meu câncer já era metastático, e começamos a investigar onde tinha começado. Descobrimos que foi no intestino, só que eu nunca tive sintomas. Jamais desconfiei desse problema, inclusive porque sou jovem, sempre tive hábitos saudáveis e não havia casos na família. Mas esta é uma doença traiçoeira mesmo”, diz.

Outros exemplos de câncer entre os mais jovens ainda estão frescos na memória do grande público: a influenciadora Fabiana Justus, de 37 anos, revelou em janeiro deste ano que estava com leucemia; Kate Middleton, de 42, anunciou em março que tem câncer (o tipo não foi informado) e Preta Gil, de 48, descobriu um câncer de intestino no começo de 2023.

Apesar da maioria dos casos acontecer aos 60 anos ou mais, o chamado “câncer de início precoce” tem aumentado em muitas partes do mundo.

De 1990 até 2019 houve um salto surpreendente de 79,1% de casos em pessoas mais jovens, de acordo com um trabalho conduzido por uma equipe internacional de cientistas e divulgado em 2023 na revista científica BMJ Oncology.

Logo após o diagnóstico, iniciei a quimioterapia. Tive uma complicação e precisei fazer uma cirurgia de emergência. O tumor foi retirado, mas passei a usar bolsa de colostomia. Já se passaram quase três anos e sigo fazendo quimioterapia até hoje, a cada 15 dias. Não tenho mais câncer no intestino, mas tenho no fígado e, também, metástase no pulmão. Estamos avaliando agora qual será o tratamento mais adequado. Tenho esperanças e sigo confiante de que tudo vai dar certo.
Gabriel Koschky, 38, bancário, morador de Atibaia (SP)

Por que o câncer de início precoce está aumentando?

O câncer é uma doença multifatorial, o que significa que não existe uma única causa que explique a sua formação.

O envelhecimento sempre foi considerado um dos principais pontos, pois, conforme os anos passam, as células acumulam danos ao DNA e têm maior probabilidade de sofrer mutações que podem causar tumores cancerígenos.

Isso sem contar que as pessoas acima de 50 anos têm mais tempo de exposição às agressões ambientais e comportamentais que também contribuem para o surgimento da enfermidade.

Mas, então, o que explica o aumento nos diagnósticos em pessoas mais jovens? A resposta para esta pergunta não é tão direta e simples, e exige que se trace um paralelo com as mudanças vividas pela sociedade a partir da metade do século passado, que tornaram os hábitos de vida mais nocivos e expuseram o ser humano cada vez mais cedo a eles.

Diante disso, evidências indicam que o câncer de início precoce pode estar relacionado, sobretudo, a adoção de dieta pouco saudável, rica em alimentos processados, gordura e carne vermelha; sedentarismo; obesidade; exposição à produtos químicos e à poluição do ar; tabagismo; consumo excessivo de álcool e privação de sono.

Bruna Salani Mota, pesquisadora e médica assistente da equipe de mastologia do Icesp (Instituto do Câncer de São Paulo), acrescenta outro ponto:

Hoje em dia a gente rastreia mais, a gente investiga mais, e, com isso temos uma taxa de diagnóstico maior.

É importante destacar que, sozinhos, nenhum desses fatores é totalmente responsável pelo aumento do câncer em pessoas mais jovens.

“E há de se considerar que podem existir outras condições que ainda não estamos cientes”, diz Paulo Hoff, presidente da Oncologia da Rede D’Or, titular da disciplina de Oncologia do Departamento de Radiologia e Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Núcleo de Pesquisa do Icesp.

O médico complementa que, quando se fala em câncer em pessoas mais jovens, muita gente logo pensa em hereditariedade.

“Esse é um fator importante e que precisa ser levado em conta, mas não explica o aumento da incidência da doença, pois apenas 10% dos casos ocorrem por esse motivo, e é um índice que se mantem relativamente constante ao longo do tempo.”

E como está a situação no Brasil?

O Brasil ainda não tem grandes estudos sobre o tema. De toda forma, os que já foram realizados indicam que os casos de câncer de início precoce seguem a tendência mundial de alta.

Por exemplo, uma análise realizada por pesquisadores do A.C. Camargo e publicada em 2017, registrou 960 pacientes no hospital com idade média de 26 anos com câncer entre janeiro de 2007 e dezembro de 2012 – a maioria era carcinoma.

Outros dados da mesma instituição de saúde mostram que em duas décadas, de janeiro de 2000 a dezembro de 2020, a proporção de casos de câncer tratados entre a população de adultos jovens (20 a 39 anos) foi de 7% (3.262) entre homens e 16% (8.404) entre mulheres.

No grupo dos homens, os tipos mais comuns da doença foram tireoide, pele (melanoma e não melanoma), testículo, cabeça e pescoço e linfomas. Já no das mulheres foram tireoide, mama, colo do útero, pele (melanoma e não melanoma) e linfomas.

Um estudo do Icesp também dá uma ideia da situação no país. Focado em câncer de mama, a pesquisa indicou que de 2009 a 2014, 9,9% das pacientes em tratamento na instituição tinham menos de 40 anos.

No período de 2015 a 2020, esse índice subiu para 12,9%.

A fisioterapeuta Roberta Perez, hoje com 35 anos, entrou para as estatísticas quando, em 2016, aos 27 anos, descobriu um câncer de mama.

“Na década de 2010, eu achava que o câncer era algo distante de mim, não tinha essa preocupação, principalmente por conta da minha idade. Mas, aí, soube que uma colega tinha sido diagnosticada com câncer de mama aos 26 anos”, conta.

A notícia abalou a jovem, que passou a se cuidar melhor e fazer autoexame de mama todos os dias. Um ano depois, quando sentiu um nódulo grande no seio, não teve dúvida do que era.

“Fiz quimioterapia durante seis meses e, depois, a mastectomia bilateral. Foram três cirurgias no total. A partir disso, mudei completamente meus hábitos: pratico atividade física todos os dias, tenho uma alimentação saudável, faço exames de rotina, cuido da saúde mental e mudei de profissão. Estou em remissão da doença e me tornei mãe há dois anos e meio”, conta.

Karina Belickas Carreiro, mastologista e ginecologista no grupo Pro Matre – Santa Joana enfatiza que, no Brasil, o índice de mulheres com menos de 40 anos com diagnóstico de câncer é maior do que em países da Europa, nos Estados Unidos e no Canadá.

“Nestas localidades, a taxa é de 5% e, aqui, de 12%. Ainda não conseguimos identificar o que nos diferencia, mas, a partir disso, podemos pensar em planejamento de prevenção e rastreamento”, pontua.

Mudanças no rastreamento

O aumento da incidência de câncer de início precoce está impulsionando mudanças no modo como algumas formas da doença são rastreadas e diagnosticadas.

No que diz respeito ao câncer colorretal, por exemplo, novas diretrizes estabelecem que a colonoscopia, um exame essencial para o diagnóstico, deve ser realizada a partir dos 45 anos para a população em geral, reduzindo a idade anteriormente recomendada de 50 anos.

Da mesma forma, a mamografia passou, há alguns anos, a ser indicada para mulheres a partir dos 40 anos.

Aqui vale fazer uma observação: em pessoas com risco maior para o desenvolvimento de tumores, as idades podem ser ajustadas conforme avaliação do médico responsável pelo atendimento e acompanhamento do paciente.

“Isso será determinado pelo médico responsável pelo atendimento e acompanhamento do paciente”, enfatiza Marcelle Goldner Cesca, oncologista clínica do A.C. Camargo.

Para o futuro, é possível que novas regras sejam estabelecidas à medida que a situação evolui.

Além disso, é provável que surjam exames mais acessíveis, como testes sanguíneos, para a detecção do câncer – pesquisas e testes estão em andamento em várias partes do mundo, o que indica uma perspectiva promissora para diagnósticos mais eficazes e até menos invasivos.

De toda forma, mesmo que as questões de rastreamento mudem, o ideal mesmo é que a comunidade médica e as autoridades de saúde ajam de forma proativa, investindo em estratégias de prevenção, para mitigar o impacto da doença em pessoas com menos de 50 anos.

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