Astério Moreira

Aos olhos de Deus, sem-tetos se amam em um banco de praça!

Uma caixa de papelão, um cobertor antigo e empoeirado, um banco de praça, e dois corpos que se unem em sentimentos e desejos em uma manhã radiante, onde a chuva dá lugar para nuvens brancas e um céu azul intenso.

Eles compartilham risos e segredos, protegidos dos olhares impuros, imersos em um calor humano e afeto genuíno. Mesmo com o mundo em constante movimento, encontram tranquilidade sob a imensidão do céu, eternizando aquele momento de pura felicidade.

Distanciados de todo o resto, do ruído do mundo, das dores da existência, do frio, calor, sede e fome, eles respiram o mesmo ar que os rodeia. Algo natural como bichos na natureza criados por Deus. Se fosse cães ou gatos ninguém se importaria.

Lembra a revolução cultural dos anos 60,70: “Faça amor, não faça guerra”. Infelizmente muitos continuam fazendo guerra e querem impedir os outros de fazerem amor.

Mas, quem possui o direito de julgá-los? Qual corte devem ser apresentados? Que transgressão cometeram?

Envolvidos numa esfera de ternura e compreensão, desafiaram as normas, acolhendo a liberdade do amor. Optaram pela felicidade, desconsiderando as limitações de uma sociedade hipócrita, vazia de sentido e em ruínas. Devem ser apedrejados? Açoitados?

E quanto aos seus nomes? Quem sabe seja Raab, a prostituta destacada por Deus como a pureza de Jericó? Ou aquela sem nome que foi lançada aos pés de um jovem mestre judeu, que escrevia na areia e a absolveu?

Ou a outra sem nome, a mulher na casa de Simão, o rico e poderoso.

_ Se este Jesus fosse verdadeiramente um profeta, saberia que a mulher que o toca, que o unge com perfume, que beija seus pés e chora banhando-os com lágrimas é uma pecadora dessa cidade…

Ouvindo os pensamentos de Simão, o jovem responde:

_ Simão, tenho algo a lhe dizer. Uma pessoa devia 50 e outra 500, as dívidas foram perdoadas. Quem amou mais o credor?”

_ Acredito que a que devia mais, mestre”!

_ Disseste bem, desde a hora em que cheguei em tua casa não me lavaste os pés, não me ungistes, nem me beijaste. No entanto, essa mulher não para de ungir meus pés com perfumes e lágrimas. Por seu grande amor, os seus muitos erros estão perdoados.

Quem é o homem sob o cobertor? Qual é o seu nome? Talvez seja Simão, mas um Simão distinto do fariseu hipócrita. Quem sabe aquele Simão, um homem de pele escura, preto, nascido em Cirene, na costa africana, que auxiliou o Filho de Deus a carregar a cruz rumo ao monte Calvário. Uma cruz de peso monstruoso, saturada de ódio, preconceito e todas as formas de maldade humana.

Esse Simão, o mesmo, sob o cobertor, carrega em suas costas não mais a cruz, mas o peso do mundo moderno. Um fardo feito de desigualdades dos que moram nas ruas sem amparo, discriminados e injustiçados, que ele suporta com a mesma resiliência do que carregou a cruz do Cristo.

Os amantes descobriram a alegria e a satisfação em um banco de praça não uma instituição bancária, aconchegados sob uma velha coberta e uma caixa de papelão na “Praça da Revolução”, cujo nome evoca um chamado para uma nova revolução em corações marcados por uma dor que não deveria ser nossa: A dor do desprezo e do ódio pelo outro, pelo diferente.

Neste refúgio urbano, cada batida do coração ecoa o desejo de um amor renovado. O banco, a praça, a coberta: todos símbolos de um amor simples, mas profundo, que desafia o cinza da cidade e toda a nossa hipocrisia.

Eles não são prisioneiros do egoísmo, nem do narcisismo proliferado pelas redes sociais, que tendem a tornar muitos de nós indivíduos tristes, narcisistas, depressivos e até propensos ao suicídio.

Pelo que é conhecido, apesar das condições precárias em que vivem, namorando debaixo de um cobertor e dentro de uma caixa em uma praça, nenhum deles demonstra desejo de terminar a própria vida. Isso é um exemplo de amor ao próprio destino, a sublimação da vida.

Essa é a interpretação e o sentido de vida para eles: aqueles que vagueiam pelas ruas e becos, nômades neste vasto deserto de concreto. Ignorá-los sem perturbações em um momento singular na praça, já nos absolve do desprezo que sentimos por sua simplicidade espiritual e liberdade, apesar de todo o sofrimento imposto.

Quem sabe o Filho de Deus esteja nas ruas, becos e praças muito mais próximo deles do que de nós que enchemos os templos a sua procura.

Esse texto não tem a intenção de ofender ninguém.

Edmilson Ferreira
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Edmilson Ferreira

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