Astério Moreira

A dor do desprezo dói mais que pancadas no corpo!

Ao cair da noite, um homem esquelético, de cabelos e barbas desgrenhados, exala um mau cheiro, como de alguns bichos para se protegerem dos predadores ou marcar território. Ele é quase não humano, semelhante ao lixo que vasculha nos arredores de um hotel na região do Bosque. Feito à imagem e semelhança do Criador. Ao cair da noite, um homem revira o lixo da sua própria existência.

Desorientado, ele não tem consciência do ato em si. Em sua busca, espalha restos, procurando algo indefinido. Assim como nós, em nossa própria existência, na qual passamos a vida perseguindo alguma coisa que raramente nos traz satisfação ou sabemos o que é.

O homem, com as mãos sujas e trêmulas, persiste em sua tarefa de revirar o lixo. Será que ele está em busca de restos de comida, roupas ou pedaços de papelão para improvisar uma cama confortável e aconchegante? Ou ele simplesmente espalha o lixo por puro prazer, assim como as crianças se divertindo ao jogar videogames em ambientes confortáveis?

A cada peça encontrada, revela uma história silenciosa da sociedade, um retrato cru de desigualdades. Em um mundo de abundância, o homem no lixo busca sobrevivência, não prazer. Ele continua, inabalável, a revirar o lixo em um estado de desorganização constante. Seus pensamentos, também desordenados, são influenciados pelo álcool, pelas drogas.

Pessoas assim são o reflexo das dores da existência, do vazio provocado pela falta de propósito e sentido. Talvez, esses sentimentos sejam intensificados pela dor insuportável de perder alguém que o amava e compreendia, como uma mãe, um pai, avós, uma filha, um filho…

Na busca incessante pelos restos de uma vida perdida, ele se afunda ainda mais na escuridão. As perdas, o vazio, a falta de propósito, tudo se misturam em uma sopa tóxica de desespero e desolação. Ele é um eco das dores da existência: um fantasma nas ruínas de si mesmo.

Essa busca incessante, embora caótica, também reflete a beleza da incerteza humana, um eco eterno de nossa inerente necessidade de encontrar o significado na desordem. Esse ciclo interminável nos leva, muitas vezes, a questionar o sentido da vida. Mas é nessa jornada caótica e incerta que encontramos a essência do que significa ser humano.

Os homens chegam e se enfurecem com a cena diante deles: o lixo, anteriormente bem-organizado para a coleta, agora está espalhado por todo lugar. Eles não fazem distinção entre homem e lixo. Para eles, tudo é igual: lixo é lixo, a condição dele é de rejeito, resíduo, e consideram o homem como lixo humano. Decidem, então, agredir com uma ripa um ser que parece ter sido abandonado por Deus.

Em meio a desordem, eles escolhem a violência, desferindo golpes com uma ripa em um indivíduo solitário. Para eles, esse homem, assim como o lixo, é descartável e desprovido de valor.

Talvez seja a pequena ovelha perdida à margem do abismo, a mesma que estava desaparecida entre as 99 citadas na parábola do Bom Pastor, que dá sua vida por elas. Esta é a ovelha que não escolheu estar ali, pois não foi instrumentalizada, programada nem instruída para buscar a felicidade e uma vida efêmera, fácil, tola de consumismo.

Então, os homens batem nele, batem mais uma vez até deixá-lo com costelas quebradas e hematomas por todo o corpo. Cegos de ódio e desprezo não veem o semelhante, mas veem o animal sujo e imundo. Ferido consegue se arrastar até um ponto em que outros semelhantes o socorrem. Levado ao hospital, perdido, sem nem saber mais quem é no mundo chora soluçando de dor com gemidos inexprimíveis, e só uma Pessoa da Trindade entende essa linguagem.

Após o ataque brutal, ele se encontra na solidão da sala de emergência, cercado por bandagens e medicamentos. A dor física é intensa, mas a angústia resultante da desumanidade sofrida é ainda mais devastadora.

Curiosamente, muitos de nós, mesmo sem estar na rua, sujos, famintos e sem roupas, compartilhamos um sentimento de abandono. Sentimos a mesma dor, desprezo e solidão quando exploramos o lixo da nossa própria existência. Nada nos difere do homem do lixo e dos que os espancaram, a não ser as aparências, o exterior. Todos os dias muitos são surrados, não com ripas, mas com palavras que deixam marcas na alma para sempre.

Edmilson Ferreira
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