A ideia de que o instante da morte proporciona ao ser humano o contato com uma série de memórias sempre foi considerada uma possibilidade real por muitas pessoas, de acordo com relatos de quem sobreviveu.
Uma pesquisa realizada por neurocientistas e publicada no periódico Frontiers in Aging Neuroscience em 2022 traz dados que podem dar força à teoria de que a “vida passa diante dos olhos” de uma pessoa prestes a morrer.
O estudo sugere que o cérebro pode permanecer ativo e coordenado durante a transição para a morte, realizando atividades semelhantes às que ocorrem nos momentos de sonho, flashbacks ou meditação. A hipótese foi fortalecida graças a observações feitas por acaso por uma equipe médica da Universidade de Tartu, na Estônia.
A descoberta ocorreu quando o Raul Vicente e seus colegas estavam detectando e tratando as convulsões de um paciente de 87 anos com epilepsia, por meio da eletroencefalografia contínua, exame que faz registros gráficos de correntes elétricas emitidas no cérebro. Então, durante a avaliação, o paciente teve um ataque cardíaco e morreu.
A situação permitiu que as atividades realizadas pelo cérebro dele no momento do óbito fossem registradas pela máquina. Ao analisarem os dados, os neurocientistas perceberam mudanças nas chamadas oscilações cerebrais, padrão de atividade envolvido em funções como concentração, sonho, meditação, recuperação de memória, processamento de informações, percepção consciente e até mesmo flashbacks.
“Por meio da geração de oscilações envolvidas na recuperação da memória, o cérebro pode estar reproduzindo uma última lembrança de eventos importantes da vida pouco antes de morrermos, semelhantes aos relatados em experiências de quase morte”, disse Ajmal Zemmar, neurocirurgião da Universidade de Louisville, dos EUA, responsável por organizar o estudo.
“Algo que podemos aprender com essa pesquisa é: embora nossos entes queridos tenham fechado os olhos e estejam prontos para nos deixar e descansar, os cérebros deles pode estar revivendo alguns dos melhores momentos que viveram”, diz.
E do ponto de vista fisiológico?
Um outro estudo, publicado em 2018 na revista científica Annals of Neurology e realizado pela equipe de cientistas da Universidade Charitée, em Berlim, e também da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, buscou entender a neurobiologia da morte.
Para realizá-lo, os cientistas precisaram do consentimento dos parentes de vários pacientes terminais. O estudo exigia um monitoramento neural considerado invasivo.
Os pacientes tinham sofrido acidentes de trânsito, acidentes vasculares cerebrais ou paradas cardíacas, ou seja, nesses casos, não havia mais como salvá-los, segundo os pesquisadores.
À medida que o paciente terminal piorava, os cientistas monitoraram sua atividade neurológica usando dezenas de eletrodos. Em primeiro lugar, em oito dos dez pacientes, os pesquisadores detectaram o movimento de células cerebrais que tentavam impedir o inevitável, ou seja, a morte que já se avizinhava.
De maneira geral, os neurônios funcionam com íons carregados, o que cria desequilíbrios elétricos entre eles e seu ambiente —isso permite que pequenos choques, ou sinais, sejam criados.
Para os autores do estudo, a manutenção desse sistema fica mais difícil quando a morte está chegando. Para se alimentar, essas células “bebem” oxigênio e energia química da corrente sanguínea.
Quando o corpo morre e o fluxo de sangue que chega ao cérebro para, os neurônios —privados de oxigênio— tentam uma de suas últimas saídas: acumular os recursos que sobraram, dizem os pesquisadores.
Enviar sinais de um lado para o outro, como normalmente ocorre, acaba se tornando um desperdício nos últimos momentos da vida. Portanto, os neurônios se “calam” e, ao invés de enviar sinais, usam suas reservas de energia para manter cargas elétricas internas, esperando o retorno de um fluxo de sangue que nunca virá.
Depois, o que se segue é a fase da “despolarização da difusão”, conhecida como “tsunami cerebral”. Ocorre uma grande liberação de energia térmica, porque o equilíbrio eletroquímico que mantinha as células vivas entra em colapso —esse “tsunami” leva à intoxicação e destruição das células.
Todas essas reações foram observadas pelos cientistas nos pacientes terminais. E à medida que os níveis de oxigênio caíam, a atividade elétrica também silenciava em todo o cérebro. É então que a morte chega.
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