Oito dos dez municípios brasileiros de médio e grande porte que mais registraram homicídios, em 2022, por 100 mil habitantes, estão no Nordeste. É o que aponta a edição mais recente do Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
As cidades da região se sobressaem nas estatísticas de violência em relação às demais, mesmo quando se analisam recortes mais amplos. Na lista dos 20 municípios que possuem as maiores taxas de homicídio do país, 16 são nordestinos. No ranking das 50 cidades com os maiores índices de assassinatos, 31 estão na região.
O Brasil 61 entrevistou especialistas e autoridades ligadas à segurança pública para entender o que explica os altos índices de violência registrados nos municípios do Nordeste.
Coordenador do Atlas da Violência, Daniel Cerqueira diz que dois fatores ajudam a explicar porquê, em média, há mais homicídios nos municípios nordestinos do que em outras cidades do país. O primeiro fator tem a ver com a multiplicação de facções criminosas e o avanço do narcotráfico pelo interior do país, diz o pesquisador.
“Desde 2010, houve uma multiplicação de pequenas facções criminosas locais no Brasil e um processo de interiorização do crime puxado por esse processo. Também houve uma mudança importante em relação ao negócio internacional de narcotráfico. No rastro do Plano Colômbia — que erradicou 70% da plantação de cocaína — Peru e Bolívia saem como protagonistas desse mercado e a cocaína produzida nesses países termina sendo escoada para o mundo via Brasil, na chamada rota que sai do Alto do Juruá, no Acre, atravessa toda a Amazônia e chega às capitais nordestinas, onde ela é exportada”, explica.
Não é coincidência, portanto, que na distribuição espacial da taxa de homicídios estimados na região Nordeste haja maior concentração de assassinatos nos municípios litorâneos, principalmente nos arredores das regiões metropolitanas, onde os grupos criminosos disputam o controle do mercado de drogas.
O segundo fator, de acordo com o especialista, é a política equivocada de combate ao crime adotada pelos governadores da região. “A gente vê, por exemplo, na Bahia, mas em muitos outros lugares do Nordeste, que esse problema (alta taxa de homicídios) é resultado de todos os erros que foram feitos ao longo de décadas em termos de políticas públicas. A própria política de segurança pública ajudou a dinamizar os crimes nessas cidades”, acredita.
O principal erro cometido por esses estados, segundo Cerqueira, é a preferência por ações policiais violentas em detrimento do trabalho preventivo. “Essa política da barbárie faz com que os criminosos invistam pesadamente em armas com maior poder de letalidade. A forma de enfrentamento da violência é com planejamento, com boa gestão científica. Vamos fazer o diagnóstico desses locais para entender quais são as facções, quem está ligado a quem, quem são os homicidas contumazes e fazer operações para prender e retirar esses caras da praça”, recomenda.
Policial militar e presidente da Frente Parlamentar de Segurança Pública, o deputado federal Alberto Fraga (PL-DF) discorda que a predominância das cidades nordestinas no ranking dos municípios com as maiores taxas de homicídios seja causada pela violência policial.
O congressista atribui o problema ao que ele chama de “benevolência” com os criminosos. “A esquerda brasileira gosta de prestigiar a marginalidade. Não é para menos que a cidade mais violenta está na Bahia, e o governo é do PT. Onde existe o comando do PT, a gente tem a violência correndo frouxa”, dispara.
Fraga diz que a certeza da impunidade explica os índices alarmantes de violência registrados no país, em especial nos municípios do Nordeste. “É uma questão óbvia e de matemática. Veja as cidades mais violentas e veja quem são os governadores. Nos estados em que há um governador com pulso, a violência é tratada de outra forma. Quando você tem um governador frouxo que não cuida da população, dá no que dá”, pontua.
Para Patrick Cacicedo, professor de Direito Penal e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), índices elevados de homicídio têm relação direta com a ausência de boas políticas públicas sociais. “Parece evidente que as políticas criminais não caminham sem políticas de melhora da condição de vida da população. Há muitas evidências científicas nesse sentido, de que pensar numa política de prevenção da violência, por exemplo, não pode ser pensado sem políticas sociais efetivas”, afirma.
Cerqueira concorda. Para o coordenador do Atlas da Violência, a solução para os índices elevados de homicídios passa por investimentos na área social. “Esses meninos que foram abandonados à sua própria sorte sem a condição adequada de desenvolvimento na primeira infância, sem bom acesso à educação, sem oportunidade no mercado de trabalho, serão presas fáceis do crime organizado. O Estado tem que entrar forte. Com o que? Não é com bomba, não é com barbárie, é com educação, cultura, esporte, lazer”, defende.
As cinco cidades de médio e grande porte com as maiores taxas de homicídio do país estão na Bahia. O ranking é encabeçado por Santo Antônio de Jesus, que possui uma taxa de 94,1 homicídios estimados para cada 100 mil habitantes. Em seguida, vêm as cidades de Jequié (91,9), Simões Filho (81,2), Camaçari (76,6) e Juazeiro (72,3). Na lista dos 10 municípios mais violentos, de acordo com o levantamento, sete são baianos.
É também da Bahia o título negativo de estado com a capital com mais assassinatos, em 2022. Salvador registrou uma taxa de 66,4 homicídios/100 mil habitantes. A violência no estado é um retrato do quadro que ocorre em quase todo o Nordeste: proliferação de organizações criminosas locais e confrontos entre elas pelo mercado de drogas.
De acordo com a pesquisa, até 2022, pelo menos dez facções disputavam territórios em terra e na Baía de Todos os Santos, um espaço geográfico estratégico para a logística de transporte, fornecimento e exportação de drogas e armas. Não à toa, municípios ao seu redor, como Salvador e Camaçari, foram aqueles com maior número de tiroteios em 2022, segundo o Instituto Fogo Cruzado.
Segundo o Atlas da Violência, além do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV), a Bahia contava com mais oito grupos criminosos fundados no próprio estado, que provocaram conflitos letais derivados de rupturas e alianças, como entre o Bonde do Maluco (BDM) e o PCC.
Fonte: Brasil 61
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