O sal está entrelaçado com a própria história da humanidade, na evolução dos hábitos alimentares, nos negócios e até mesmo em rituais religiosos. Hoje ocupa, muitas vezes, um lugar de vilão, pelos riscos que pode trazer à saúde. Precisamos, contudo, ter um olhar mais atento e cauteloso sobre o consumo.
O popular “sal de cozinha” – o cloreto de sódio – é essencial ao organismo. Participa da transmissão de impulsos nervosos, auxilia na contração muscular, inclusive do coração, e atua no transporte de nutrientes e oxigênio.
O que está em discussão – e realmente faz mal – é a ingestão excessiva. Doses acima das nossas necessidades fisiológicas podem trazer problemas sérios, e o maior deles é a hipertensão.
Trata-se de uma das principais causas de risco de eventos cardiovasculares, como infarto, AVC (acidente vascular cerebral) e insuficiência cardíaca. Muito sal na dieta também tem sido associado a doenças como câncer de estômago, agravamento dos sintomas de asma, osteoporose, cálculos e outras doenças renais, fora ganho de peso e obesidade.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o recomendado é consumir menos de 5 g/sal (ou 2 g de sódio) por adulto, diariamente, considerando todas as fontes. Na região das Américas, estima-se que a ingestão média, entre adultos com 25 anos ou mais, é de 8,5 gramas por dia. No Brasil, a média nacional é de 9,3 gramas/dia, quase o dobro do que seria o ideal.
Embora nosso corpo possua vários sais, há uma perda contínua, pelos próprios mecanismos de excreção, através da urina, suor ou até mesmo das lágrimas. Quem nunca sentiu aquele salgadinho escorrer pelos olhos e chegar aos lábios? Por isso, a reposição é imprescindível, mas de forma equilibrada.
O que tem ocorrido é que muitas pessoas estão “perdendo a mão” no uso do sal, quer nos preparos caseiros, na adição à mesa, com aquela pitadinha extra, quer na maior procura por produtos processados ou ultraprocessados com bastante sódio em sua composição. A função do mineral é criar textura, controlar a fermentação e a coloração e conservar os alimentos, papel que remonta há séculos, quando os egípcios foram os primeiros a usar o sal com o propósito de preservar carnes.
Atualmente, é impossível imaginar viver sem uma geladeira, mas até ela ser inventada, foi um desafio guardar os alimentos sem que estragassem. O sal funcionou como um agente para inibir a proliferação de micro-organismos patogênicos, possibilitando estocar por um longo tempo. Tal qualidade fez com que se tornasse moeda, sendo altamente valorizado e cobiçado em várias civilizações.
Platão chamava o sal de “uma graça especial dos deuses” e, na verdade, ele foi e continua sendo uma substância crucial para o ser humano, em suas milhares de utilidades, inclusive no setor farmacêutico. Em alguns países, como o Brasil, uma base para políticas de fortificação de alimentos, como a adição do iodo no produto refinado, busca reduzir o risco de doenças, como problemas de tireoide.
Na culinária, o sal encontra um universo que parece ser infinito – com tipos e peculiaridades, do comum (ou refinado) ao light, marinho a rosa do Himalaia. Mas é essencial se manter longe de qualquer abuso na receita e no prato: nem excesso, nem falta. Nem vilão, nem mocinho. Não dá pra excluir, muito menos exagerar.
Sim, o uso inadequado é preocupante. Num esforço global, envolvendo diversas instituições de saúde, procuramos compartilhar informações e ferramentas para desenvolver e implementar políticas que visem à redução do sal, tanto no consumo cotidiano como nos produtos industrializados.
A promoção de práticas saudáveis deve se iniciar em casa, ainda na infância, e ser estimulada nas escolas, locais de trabalho e restaurantes. Tal conscientização é uma pitada vital para a saúde.
* Durval Ribas Filho é médico nutrólogo e presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran)
Fonte: Veja