As empreendedoras acreanas têm encabeçado cada vez mais um segmento que vem ganhando espaço de destaque no estado: a bioeconomia, que usa recursos biológicos para desenvolver produtos e serviços sustentáveis. Em ramos que antes tinham protagonismo masculino, as mulheres têm tomado a frente e se tornado referência.
De acordo com os dados repassados pela Secretaria de Estado de Empreendedorismo, cerca de 23,5 mil mulheres são donas de negócios no Acre.
Artesã Rodney Paiva coleciona prêmios no seu setor e comercializa suas peças com diversos estados do país. Foto: Marcos Vicentti/Secom
Uma dessas mulheres é Rodney Paiva que, há 19 anos no ramo de biojoias, coleciona prêmios e certificados, comercializando hoje suas peças com diversos estados do país. Atualmente, trabalha também com artefatos de decoração feitos com resto de madeira e sementes.
“Eu morava em Manaus e vim para Rio Branco porque meu marido foi transferido. Lá eu trabalhava com salão e, quando cheguei aqui, fiquei parada. Uma vizinha me contou que a Fundação Bradesco oferecia vários cursos e aí resolvi fazer o de biojoias. No começo eram peças bem simples, tanto que, quando participei de uma avaliação para a Feira das Tribos, os produtos não passaram porque não tinham qualidade”, conta.
Ainda sem a habilidade necessária para trabalhar as peças, Rodney foi fazer um curso de beneficiamento de madeira no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Foi quando aperfeiçoou sua arte e decidiu que iria focar no ramo. Com garra, buscou se qualificar na produção de biojoias e também para entender o mercado e o seu público-alvo.
Coube a ela também capacitar o marido para trabalhar ao seu lado. “Meu esposo ficou desempregado, com problemas de coluna e já estava entrando em depressão. Então, convidei ele para me ajudar e montamos uma equipe, com uma amiga, para trabalhar com biojoias. Com elas consegui comprar minha casa e meu carro”, relata.
Dessa forma, o marido Valdecir Neves é a mão que retalha a madeira e Rodney pensa no design e acabamento. Uma dupla imbatível.
“Com as feiras fora do estado, conseguimos conquistar vários clientes; enviamos nossos produtos para São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. Em vários estados, as biojoias são as queridinhas”, diz.
Peças são feitas com reaproveitamento de madeira e sementes. Foto: Marcos Vicentti/Secom
O trabalho artesanal e sustentável desenvolvido por Rodney já lhe rendeu diversas oportunidades de visibilidade, por exemplo, com o Prêmio Mulher de Negócios do Sebrae, que recebeu em 2017. Ela também fala com orgulho da obtenção do Selo de Excelência da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2012, com uma peça chamada Cores da Mata, que também deu nome à sua marca.
“Esse reconhecimento é muito importante. Digo que sempre faço aquilo que gostaria de usar, estou vendendo o que eu usaria para as minhas clientes. Faço com muito amor, procurando ter fé e esperança que vou vender, que aquela peça vai ser aceita”, revela.
Para o futuro, Rodney sonha em exportar seus produtos e participar de feiras internacionais. “O ano de 2012 foi muito bom pra nós, ganhamos o Prêmio de Excelência da Unesco, nossas peças passaram na avaliação do catálogo do Sebrae, já saí duas vezes [na publicação], e isso é muito importante”, destaca.
“Somos protagonistas”
Aos 36 anos, Keyti Kety Espíndola lidera a produção de café da família, que se revelou um negócio promissor em 2020, durante a pandemia. “Meu esposo teve o desejo de iniciar um novo projeto, pois, por gerações, a única forma financeira era por meio do extrativismo da castanha e do látex. Aí veio o desejo de trabalhar com uma cultura permanente, que é o café”, narra.
Keyti Kety coordena plantação de café no interior do Acre. Foto: Cedida
A primeira safra foi no ano passado e a família começou a preparação para trabalhar com cafés especiais. O marido fica com os cuidados na lavoura e ela se empenha nos detalhes do café especial, marketing, participação em feiras de sociobiodiversidade e rodadas de negócios internacionais.
“Nesses eventos tenho a oportunidade de disseminar nosso legado numa área de preservação com a recuperação de áreas degradadas. Nos três últimos anos, recuperamos três hectares, onde estamos com uma lavoura de café formada, e neste ano iremos recuperar mais dois hectares”, diz.
O plantio fica na Resex Chico Mendes, em Brasileia, no Seringal Guanabara. Encabeçar esse segmento da bioeconomia, segundo Keyti, fez com que outras mulheres se sentissem incentivadas a arriscar.
Plantação de café envolve toda a família e é coordenada pela empreendedora. Foto: Cedida
“Hoje as mulheres da nossa família têm percebido que somos protagonistas no trabalho da seleção e cuidado com os grãos especiais. Por muito tempo trabalhávamos, mas não nos sentíamos parte do processo, hoje percebemos que nossa contribuição é tão importante quanto a dos nossos esposos, principalmente no quesito dessa seleção de grãos, pois exige muita atenção e percepção”, explica.
O desafio nessa caminhada tem sido fazer um trabalho que respeita o ecossistema e a contribuição de cada um dos envolvidos no processo. “Hoje nosso principal desafio é estender nosso legado; estamos em construção e percebemos que tem sido bastante promissor. É importante frisar que, quando dividimos as tarefas e respeitamos as diferenças, principalmente físicas do marido e da mulher, podemos crescer juntos e conquistar, sem contar a identidade construída em nossos filhos”, observa.
Pioneira
Com o objetivo de obter o selo nacional que estabeleceu o açaí de Feijó como o melhor do Brasil, Júlia Graciela de Souza fez parte de todo o processo para que o produto feito na “capital nacional do açaí” ganhasse o registro da Indicação Geográfica, concedido em setembro de 2023 pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
Júlia é a única produtora a ter o selo SIF e sua agroindústria vai ser modelo para as demais. Foto: Marcos Vicentti/Secom
“Sou de Feijó, mas morava há um bom tempo fora do estado. Quando a gente percebeu que o açaí era uma riqueza a ser explorada, iniciei esse processo sem muito conhecimento, apanhando um pouco, mas logo busquei informação e trouxe um pouco pra cá”, relembra.
Foi Júlia que buscou os órgãos reguladores, investigando uma forma para que o produto fosse vendido de maneira regularizada. “Minha luta foi para que o açaí de Feijó fosse um produto de procedência, comercializado de forma legalizada, para que todos os processadores, os empresários e pequenos empresários tivessem acesso a um mercado legal. Comecei a buscar isso não só para a minha agroindústria, mas para o município de Feijó, para aquelas pessoas que não tinham o mesmo acesso que eu para chegar até esses órgãos”, informa.
No meio do processo, ela conseguiu o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), conferido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, e chamou a atenção do Sebrae, que, com o governo do Acre, começou a reunir toda a documentação para poder ter o registro da Indicação Geográfica também. “Tivemos a grata satisfação de receber o primeiro selo geográfico do açaí do mundo”, diz, animada.
Uma das pioneiras na luta para que o produto fosse reconhecido nacionalmente por sua qualidade, Júlia espera que todo esse esforço seja coroado com a expansão do mercado.
“O açaí é conhecido como a ‘superfruta’ e ganhou o mundo todo. Em Feijó, a economia de produtos gira em torno do açaí, muita gente vive do cultivo do açaí, da produção do açaí; o Estado também, porque, automaticamente, tem pessoas que revendem, então a economia gira em torno do açaí. Nosso objetivo é fazer com que as pessoas vejam que é possível e venham também entrar no ramo, para cada dia mais ir criando espaço para um mercado bem sucedido”, planeja.
O governo do Acre, por meio da Secretaria de Estado de Indústria, Ciência e Tecnologia (Seitc), cedeu um espaço no Polo Moveleiro de Feijó para que Júlia monte sua agroindústria, que, inclusive, será modelo para que outras se enquadrem nos requisitos exigidos pelo selo.
Josi pensa em expandir sua agroindústria em Feijó. Foto: Marcos Vicentti/Secom
Multiplicadoras
Josileide da Silva chegou a trabalhar com Júlia e atualmente é dona do seu próprio negócio, ao lado do marido. Em casa, tem uma pequena agroindústria e gera emprego, ao contratar quem colhe o açaí.
Para ela, o fruto está relacionado também com uma memória afetiva e familiar. “O açaí é um produto que, quando está na época dele, a pessoa não passa fome e tem muita gente que vive disso. Tem muito aqui pela região e as pessoas acabam fazendo. Tenho essa memória da infância, da minha mãe fazendo pra gente. Quando conheci o meu esposo, veio a curiosidade de a gente mexer com o produto, pra ver se a gente conseguia uma renda melhor”, diz.
A venda, montada em um espaço na frente de casa, tem bastante movimento. Josi, como é mais conhecida, não para de atender, inclusive clientes antigos, que se tornaram amigos.
“O que a gente procura manter sempre é o padrão de qualidade. Resolvemos criar o nosso próprio negócio e estamos aí, tentando crescer mais e dar uma melhorada na estrutura, fazer uma fábrica melhor e exportar para outros lugares”, programa.
Diretamente, Josi coordena o trabalho de 12 pessoas, que colhem o fruto na mata e levam até a agroindústria, onde é batido e transformado em vinho. O marido é o batedor, enquanto ela conduz os negócios e as finanças. “Agora pretendemos também trabalhar com açaí cremoso, expandir nosso negócio e crescer juntos”, anuncia.
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