Jornal da USP —
Uma pesquisa realizada pela ONG Carbon Plan, em conjunto com o jornal The Washington Post, investigou o dano potencial que o calor pode causar ao planeta a longo prazo. No estudo foi previsto quais serão as cidades mais quentes até o ano de 2050.
A ONG evidencia a perspectiva de que, em cerca de 30 anos, aproximadamente 5 bilhões de pessoas estarão expostas a, pelo menos, um mês de calor prejudicial à saúde humana. A análise foi feita por meio de uma escala que combinou temperatura, umidade, luminosidade solar e vento e que determinou que 32° Celsius é a condição limite para a saúde do indivíduo. Eles reforçam que essa condição é nociva até mesmo para um adulto saudável, caso exposto por mais de 15 minutos, e pode ser responsável pelo aumento da morte de pessoas em consequência de altas temperaturas.
Paulo Artaxo, professor do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, analisou o estudo e comentou: “Essas hipóteses levantadas podem se tornar realidade. Eles têm base física, base científica e só reforçam a necessidade urgente da redução de emissões de gases de efeito estufa, que é a única maneira que nós temos de evitar um colapso do sistema climático”.
Consequências do superaquecimento
As mudanças climáticas estão associadas, no geral, a desastres como queimadas e enchentes. Entretanto, os perigos do calor extremo são mais silenciosos e menos visuais — pessoas morrem nas ruas, outras adquirem doenças cardíacas e mentais por consequência dessa conjuntura. “Com as emissões atuais, a temperatura deve chegar, na segunda parte deste século, em 3° Celsius de média global, o que significa, em áreas continentais, como o Nordeste brasileiro ou a Amazônia, um aumento da ordem de 4° a 4,5º”, garante o professor.
Paulo Artaxo – Foto: Arquivo Pessoal
As métricas mais populares avaliam apenas a temperatura e a umidade, o que auxilia na explicação de como o corpo trabalha para controlar sua temperatura. Em contraponto, a temperatura de bulbo úmido analisa a influência do Sol e do vento na capacidade das pessoas em se resfriar.
De acordo com o levantamento, a temperatura absoluta não é tudo. Portanto, é levado em conta o aumento repentino da temperatura, pois isso ameaça a capacidade dos indivíduos em lidar com a situação, mesmo nos lugares que já são quentes. Artaxo garante que as áreas mais atingidas pelo aquecimento global serão as que já viviam no limiar de temperaturas perigosas, antes da intensificação dos eventos climáticos.
Um estudo da revista Lancet Planetary Health, publicado em 2021, apontou que ocorrem cerca de meio milhão de mortes ao redor do planeta devido ao calor excessivo e o número de pessoas acometidas por doenças crônicas desencadeadas por esse contexto está em crescimento.
Desigualdade no aquecimento global
Essa epidemia de calor, apesar de representar uma das maiores ameaças à humanidade, não irá afetar o mundo de maneira uniforme, segundo a pesquisa. Eles assumem que 80% da população afetada pelo calor extremo será de países mais pobres, enquanto apenas 2% viverá nas localidades mais ricas do mundo. Isso ocorrerá em regiões como o Sul da Ásia e a África Subsaariana, em virtude de sua localização e de questões socioeconômicas que dificultam o enfrentamento dos problemas climáticos. A falta de um sistema de saúde de qualidade ou de produtos, tal qual ar condicionado, são fatores essenciais para essa realidade.
Além disso, vale destacar que os trabalhadores ao ar livre, os mais afetados, costumam estar mais presentes nos países de maior risco. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), enquanto os EUA apresentam apenas 10% da força de trabalho ao ar livre, a Índia — um dos países de maior ameaça — possui 56% dela. Especialistas também ressaltam que os trabalhadores imigrantes são responsáveis por serviços mais pesados e possuem maiores demandas, mesmo que seja no mesmo local de trabalho que os nativos.
Incidência prevista de stress térmico em todo o mundo em 2085. O mapa apresenta a temperatura média ao longo de 29 anos (2071-2099) dos valores WBGT máximos diários, locais projetados (valores para estimados para o período da tarde à sombra) durante mês mais quente em 67.420 pequenas áreas geográficas (células da rede) cobrindo 50 km × 50 km no equador – Imagem: Reprodução/Relatório “Trabalhar num planeta MAIS QUENTE”/OIT
A pesquisa indica algumas possíveis soluções para mitigar essa problemática. Entre elas, é destacada a mudança na legislação dos países para a melhora de vida dos trabalhadores ao ar livre, como a garantia de pausas durante o serviço ou, até mesmo, a proibição quando as temperaturas estiverem extremas. Além disso, o uso de coletes acoplados a ventiladores e de roupas brancas demonstraram reduzir a tensão do calor na pele dessa mão de obra.
Cidades brasileiras mais quentes
Conforme o estudo, a cidade que mais sofrerá será Pekanbaru, na Indonésia, que deverá ter quase um ano de calor extremo — 344 dias. Já no Brasil, várias capitais sofrerão por, ao menos, um dia. “O Brasil é um dos países que mais devem sofrer com as mudanças climáticas globais, por conta de sua extensão continental e sua localização tropical. Muitas cidades brasileiras, como Teresina, Cuiabá e cidades do Agreste nordestino, já vivem no limiar da temperatura.” Em números absolutos, Manaus lidera entre as capitais brasileiras, ultrapassando o limite de 32°C por 258 dias. Em sequência, fecham a lista das cinco primeiras: Belém (222), Porto Velho (218), Rio Branco (212) e Boa Vista (190).
O professor ressalta que cidades de regiões como da Amazônia, que combinam altas temperaturas com altas umidades, terão um agravante: “É perigoso para a saúde humana, porque uma das maneiras que o corpo utiliza para se resfriar é a transpiração. Se você tem umidade relativa do ar entre 70% e 80%, dificulta a evaporação da água do corpo, o que conflui para que os mecanismos de regulação térmica do corpo deixem de funcionar adequadamente”.
*Estagiário sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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