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Pesquisa mostra que mais de 80% dos pais dizem vacinar os filhos, mas dado não reflete atual cobertura infantil

Para além da confiança, baixa cobertura esbarra em perda de percepção de risco, dificuldades de registro no sistema e acessibilidade

Um estudo brasileiro inédito apontou que mais de 80% dos pais afirmam vacinar os filhos e consideram a imunização importante para os cuidados da saúde de crianças e adolescentes. No entanto, o dado se opõe às baixas coberturas observadas nos últimos anos na vacinação infantil. As taxas que antes atingiam entre 90 e 100% caíram para a faixa dos 50 a 70%, configurando um alto risco do retorno de doenças graves já eliminadas ou controladas, como poliomielite e sarampo.

Os resultados da pesquisa “O que pensam os brasileiros sobre a vacinação de crianças e adolescentes em 2023?” foram apresentados durante a 5ª edição do Fórum de Políticas Públicas da Saúde na Infância da Fundação José Luiz Egydio Setúbal (FJLES), sediado no Instituto Butantan na última terça (24), e elaborados por equipes da FJLES, da Universidade de São Paulo (USP) e da Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas.

Butantan sedia fórum sobre cobertura vacinal infantil com presença de UNICEF, Ministério da Saúde e SBIm

Cerca de 2 mil adultos residentes das cinco regiões do Brasil foram entrevistados em seus domicílios entre 29 de julho e 3 de agosto de 2023; destes, 1,3 mil eram pais. Em cada localidade, mais de 75% dos responsáveis disseram que imunizam os filhos. Entre os pais de crianças com 14 anos ou menos, a porcentagem foi ainda maior: 98%. Foram avaliadas as vacinas da tuberculose (BCG), tríplice e tetra viral, penta e hexavalente, rotavírus, pneumocócica, febre amarela, HPV e SARS-CoV-2, todas disponíveis no Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Apesar do resultado da pesquisa, a cobertura da BCG, hepatite B e tríplice viral, por exemplo, que devem ser administradas nos primeiros meses de vida, caiu de 95%, 100% e 95% em 2016 para 64%, 54% e 56% em 2023 até o final de outubro, de acordo com informações do Sistema Único de Saúde (SUS). Já a proteção contra o vírus HPV, essencial para prevenir diferentes tipos de câncer como o de colo de útero, alcança hoje apenas 57% das meninas e 40% dos meninos, que devem receber a vacina entre os 9 e 14 anos.

Segundo a economista Lorena Barberia, docente do Departamento de Ciência Política da USP e coordenadora científica da Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas, as taxas de vacinação não são influenciadas apenas pela confiança nos imunizantes e no sistema de vacinação, mas também por dois outros fatores: conveniência e complacência.

“A conveniência se refere a quão fácil é o acesso às vacinas, ao bom funcionamento das unidades. E a questão da complacência é muito importante no contexto brasileiro: temos um programa de imunização historicamente bem sucedido que resultou no controle de diversas doenças. Com isso, as pessoas perderam a percepção dos riscos que envolvem essas enfermidades”, explicou a cientista durante o evento.

O pesquisador José Cassio de Moraes, médico, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e colaborador da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e do Ministério da Saúde, acrescenta que confiar nas vacinas não significa, necessariamente, tomar a atitude de imunizar.

“Várias questões podem dificultar a vacinação das crianças, como os horários de funcionamento das unidades e o receio de precisar sair mais cedo ou perder o dia de trabalho para cuidar do filho que teve alguma reação adversa, por exemplo. Então também falta um contexto social que facilite que os pais levem as crianças”, diz.

Razões para vacinar

A pesquisa abordou ainda os motivos pelos quais os pais vacinam seus filhos. Cerca de 70% dos entrevistados em todas as regiões do Brasil concordaram que evitar sintomas leves e graves de uma doença é uma das razões para buscar a imunização. Já a facilidade de acesso à vacina e a existência de campanhas foram apontadas como motivo por 60% dos moradores do Centro-Oeste, 50% do Sudeste, 40% do Sul e Norte e 30% do Nordeste.

Quando se fala de doenças infecciosas específicas graves, a percepção sobre a importância da proteção fica ainda mais clara. Os pesquisadores investigaram o caso da meningite, doença com maior incidência em crianças, que inflama as membranas do cérebro e pode causar perda de visão e audição, paralisia e morte. Nessa análise, 95% dos participantes concordaram plenamente com a afirmação “Tomar vacina contra a meningite é importante para prevenir sintomas da doença”.

A implementação de campanhas dentro das escolas é considerada uma pauta importante para alcançar crianças e adolescentes e recuperar os índices de imunização nesse público. Quando questionados se permitiriam que seus filhos fossem vacinados no ambiente escolar contra três doenças específicas, a maioria respondeu sim, sendo 89% para influenza, 88% para HPV e 83% para Covid-19.

As vacinas do SARS-CoV-2 tiveram uma aceitação menor nas regiões Sul e Centro-Oeste, com aprovação de 78% dos pais, contra 88% para HPV e influenza. Um dos fatores que podem explicar essa diferença é a onda de desinformação que circulou durante a pandemia e contribuiu para gerar insegurança e hesitação vacinal.

Segundo a pesquisa, a alta adesão geral à vacinação nas escolas ressalta a importância da conveniência para o sucesso das campanhas de imunização. Isso porque essa estratégia oferece facilidade para os pais, que não precisam levar os filhos ao posto, e também para os jovens que podem receber a proteção durante o período das aulas.

Mas fazer o imunizante chegar aos braços do público jovem dentro das escolas não é tarefa simples. De acordo com José Cassio, muitas unidades básicas de saúde não possuem condições de fazer vacinação extramuros por falta de pessoal. Além disso, a visão da saúde e da educação como pilares independentes dificulta essa integração.

“Precisamos melhorar os laços entre essas duas políticas sociais para facilitar a atuação das unidades e para que o corpo docente estimule os alunos a tomarem vacina, porque os professores têm muito mais contato com eles do que nós, profissionais de saúde”, aponta.

A comunicação com os jovens também é peça-chave para aumentar a cobertura vacinal. Enquanto na década de 1980 e 1990, propagandas no rádio e na televisão, cartazes, campanhas em praças públicas e artistas se vacinando incentivavam a imunização, hoje, na era digital, é preciso aproveitar as novas plataformas de divulgação. Promover ações de educação em saúde para tirar as principais dúvidas dos jovens sobre vacinas também é uma estratégia importante, segundo os pesquisadores.

“Hoje, temos Facebook, TikTok, Instagram… Muitas vezes a fonte de informação das pessoas está na palma da mão, no aparelho celular. Temos que usar isso a nosso favor para melhorar a comunicação com a população”, resume José.

Reportagem: Aline Tavares

Fotos: Renato Rodrigues/Comunicação Butantan

Edmilson Ferreira
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Edmilson Ferreira

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