No estado de São Paulo, conforme a paisagem vai mudando, vão se alterando também os contornos da dinâmica em torno da população em situação de rua. É o que repara a assistente social Claudia de Brito Araújo. Ela trabalha na área há quatro anos, já tendo atuado em Praia Grande e São Vicente, no litoral paulista.
Claudia comenta que cada município tem suas particularidades. A praia, por si só, já modifica relações e é objeto de desejo de todos. Na Baixada Santista, as oscilações no fluxo de pessoas acontecem não somente entre veranistas e turistas, mas também entre pessoas que, sem moradia, acabam nas ruas.
“A realidade de Baixada Santista é um pouco diferente da realidade da capital, pelo clima, pela sazonalidade da população. Obviamente, chega a temporada, muita gente desce para o litoral, passa férias em situação de rua, na praia, e realmente é muito julgada. A Baixada tem realmente um viés mais conservador. Muita gente tem um pensamento higienista. É uma luta constante. Muitas pessoas querem fazer ações e as coisas atravancam pela falta de política pública”, argumenta.
Para Claudia, um dos obstáculos para fazer o debate sobre a população em situação de rua é que a sociedade culpa os indivíduos que passam por isso pela sua condição, quando, na verdade, é uma questão social, que é favorecida pelas desigualdades sociais. “A gente não ajuda, a gente apoia [a população em questão]”, ressalva.
Contexto de rua e luta
Nascida em Santos, Laura Dias queria ser bailarina quando era mais nova. Teve problemas com o uso de crack, álcool e cocaína por 20 anos, chegando a ficar sem um teto, e tornou-se uma liderança no movimento da população em situação de rua.
“Passei pela rua. Não fiquei os 20 anos na rua, mas fiquei o tempo suficiente para ser chamada de lixo, ser cuspida na cara, ser tratada como invisível, sofrer violência sexual. Hoje, eu quero ter poder na caneta. A minha realização é na luta”, sustenta.
Durante os anos de permanência na rua, Laura, que diz ter a sorte de sua família nunca ter desistido dela por causa do vício, relata que engravidou e jamais recorreu à rede de atendimento para verificar seu estado de saúde e se a gravidez corria normalmente, por medo.
“Muito medo. Medo de eles tomarem meu filho. Porque, infelizmente, quando a gente está na rua, acham que a gente não pode ser mãe por ser uma crackeira”, explica.
“O sistema não dá apoio às mulheres que estão em situação de rua. E elas podem engravidar tanto de um estupro, de um relacionamento casual, como de um casamento com um companheiro que esteja na mesma situação. Eles nem procuram saber como você engravidou, se você quer ter esse filho. Eu fugia do serviço”, revela.
Laura decidiu ter a criança em outra cidade. A líder do movimento saiu de São Vicente, onde estava, e viajou até Cubatão, enquanto já tinha contrações no útero. O trabalho de parto começava no ônibus, enquanto percorria cerca de 20 quilômetros.
“O motorista metendo o pé no acelerador e o povo gritando, corre, corre. Por quê? Por medo, porque em Cubatão morava minha mãe, e eu sabia que, se eu ganhasse meu filho do lado da minha mãe, ninguém o tiraria de mim. Eu já tinha dois filhos, dois filhos antes do crack”, recorda.
Redução de danos
Na capital paulista, a população em situação de rua é de 31.884 pessoas, de acordo com o censo de 2021 da prefeitura municipal. No município, um sinal de que as políticas públicas precisam resolver, de modo integrado, as demandas das pessoas que se encontram nessa condição é a região da Cracolândia, que exige melhor entendimento por parte do poder público sobre o que funciona de fato, quando se trata de redução de danos. Críticas são feitas, por exemplo, ao encaminhamento a comunidades terapêuticas.
Movimentos sociais questionam constantemente a forma como o poder público lida com a Cracolândia, que parte da população em situação de rua prefere chamar de Nova Luz.
Em nota encaminhada à Agência Brasil, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (Seds) informa que, este ano, acolheu cerca de 1,3 mil usuários que receberam atendimento no Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas, em sua rede de comunidades e casas terapêuticas.
“O Programa de Casas Terapêuticas foi lançado na atual gestão do Governo de SP e é, especialmente, voltado para dependentes químicos em situação de rua. O tratamento pode durar até dois anos, e o investimento em cada unidade é de mais de R$ 2 milhões”, ressalta.
“A pasta também inaugurou um serviço inédito no Estado, o Espaço Prevenir, que presta atendimento às famílias de dependentes químicos e àqueles que completaram ou estão em fase final de tratamento. O objetivo é a prevenção de recaídas e a manutenção dos vínculos familiares. O serviço é ‘portas abertas’ e já está em funcionamento em São José dos Campos, São José do Rio Preto e, em setembro, será inaugurado na capital”, finaliza.
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