O engajamento de homens na paternidade traz benefícios para toda a família. A equidade de funções desempenhadas por mães e pais na criação de filhos fortalece os laços afetivos, beneficia a relação do casal e impacta até mesmo no autocuidado masculino. Para possibilitar a participação efetiva deles na vida familiar, a Justiça tem fomentado discussões sobre os direitos, como a garantia da licença-paternidade, de forma a contribuir para que os homens possam sair do papel de apenas provedor, para também se envolver no cuidado das futuras gerações.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pais e mães têm direitos e deveres iguais. Essa atuação conjunta e igualitária também é reforçada pelo Pacto Nacional pela Primeira Infância, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que destaca, ainda, o direito da criança de ter o envolvimento de seus pais no cuidado desde os primeiros dias de vida. Lançado há quatro anos, o Pacto conta com mais de 300 signatários em todo o país e motiva ações em várias áreas e esferas de governo voltadas para proteção e cuidado das crianças de até 6 anos.
Para o gestor do Pacto Nacional, o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Edinaldo César Junior, as leis promovem mudança quando amparam os homens para que possam exercer sua paternidade. “Como esperar participação equitativa quando os homens não têm direito de acompanhar os filhos desde o nascimento? Situações como a ampliação da licença-paternidade são marcos importantes para que os pais saibam que o Estado apoia seu envolvimento familiar e quer garantir que a criança tenha seu direito preservado”, ressaltou.
O juiz defende também que a integração dos direitos das mulheres e das crianças, especialmente na primeira infância, culmina com o resgate do papel masculino na vida familiar. “Para os filhos, o pai é insubstituível. Ele é essencial para a construção de laços afetivos. Falar sobre equidade e paternagem tem sentido simbólico na construção social, a partir do engajamento dos homens na igualdade de gênero”.
O diretor e fundador do Instituto Promundo, Miguel Fontes, destaca que o papel do homem na sociedade e no vínculo familiar foi limitado pelo machismo que, no momento em que se define gêneros intransponíveis, causa violência e os inibe de terem contato com suas emoções. “Isso impede que o homem explore seu valor como um ser e o deixa em posição de vulnerabilidade social em relação aos seus filhos, parceiras e também em relação a sua própria saúde. Dados mostram que os casos de suicídio são cometidos quatro vezes mais por homens do que por mulheres, por exemplo”.
Atuando na ressignificação do masculino na sociedade e em relação à paternidade desde 1997, o Instituto Promundo propõe um trabalho reflexivo. “Ao refletir sobre seu lugar no mundo, sua formação e seu legado, os homens passam a ter um papel preventivo e são capazes de pensar suas formações, faculdades e relações com os pais e com os filhos”, explica Miguel Fontes.
Participação e engajamento
O papel do pai na família é uma questão de cidadania, de participação e engajamento, como ressalta o diretor do Promundo. “Por muito tempo o papel do homem ficou relegado a uma questão financeira na família. Não há desenvolvimento infantil e familiar quando você não tem um dos seus membros participando ativamente dos cuidados da sua casa”, diz. No entanto, quando se modifica o papel do pai na sociedade, que tem realmente as competências para exercer sua função no processo de cuidado, promove-se mudanças que vão além do núcleo familiar. “Ao exercer atividades funcionais, como trocar fralda e dar banho num bebê, o pai também desenvolve um laço afetivo com seus filhos e filhas, dentro de uma perspectiva educacional importante para a formação das crianças e dos jovens”.
Para Miguel Fontes, a Justiça tem tido uma atuação importante no combate às consequências do machismo estrutural e do patriarcado na sociedade, não só penalizando como também de resgate social do homem autor de violência. Segundo Miguel Fontes, há vários projetos que ajudam a humanizar a Justiça, viabilizando a retomada de laços importantes. “A Justiça está começando a se abrir. Principalmente a partir do Pacto Nacional pela Primeira Infância, que é uma estratégia muito bem-feita de priorizar os seis primeiros anos de vida da criança, a Justiça vem trabalhando também as questões relacionadas à prevenção, por meio de parcerias com o terceiro setor, com o meio empresarial e com outras instâncias do governo, propondo possibilidades de políticas de engajamento”.
Nesse sentido, o engajamento paterno pode ser estimulado desde a própria certidão de nascimento – que inclui o nome do pai no documento -, como também estimula debates importantes como a licença-paternidade. O papel da Justiça nessas discussões é conduzir processos de identificação de riscos e de estímulo a outras instâncias governamentais – no Legislativo e no Executivo – para que possam trazer para seu arcabouço esse novo olhar do pai cuidador.
“Estamos vendo as novas formas de a Justiça encarar e tirar da invisibilidade esse homem. Mudar a perspectiva de um homem potencial agressor para um homem potencial cuidador”, conta Fontes. De acordo com ele, nos últimos anos várias inciativas mostram como a Justiça está considerando essa transformação. Por exemplo, a criação de uma brinquedoteca em um presídio em Goiás, para receber as crianças que visitam os pais encarcerados. “A ação humaniza e mostra um pai que pode brincar, que pode cuidar, mesmo em conflito com a Justiça. Isso repercute como um bom exemplo e acaba trazendo uma motivação maior para que empresas, terceiro setor e outros ramos do governo tirem o homem da invisibilidade no seu papel de cuidador”, afirma o diretor da entidade.
Ressignificar o pai na sociedade é uma mudança cultural profunda, conforme detalha Fontes, porque troca o foco do homem de uma cultura machista para uma cultura do cuidado e de masculinidade que possa ser exercida dentro de um amplo contexto de saúde física, mental e social. A questão também será abordada no livro “Dá licença, sou pai”, que será publicado pelo Promundo, em parceria com o CNJ, em agosto, que aborda um estudo sobre os vários modelos de licença-paternidade no mundo e sugestões de como o Brasil pode se beneficiar implantando uma política de garantia desse direito, mostrando evidências do que dá certo.
Texto: Lenir Camimura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias
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