Jorge Viana/IREE –
A sociedade brasileira, cansada de ofensas e agressões, começa a criar espaços de diálogo e entendimento. Essa é a proposta do IREE, que já vem promovendo um diálogo produtivo em setores e temas estratégicos para a superação da crise econômica, social e política que estamos vivendo. Agora acrescenta-se o debate, imprescindível e inadiável, sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas, marcas deste século e condicionantes do futuro e da própria sobrevivência da espécie humana. Quero aqui, aproveitar e saudar o Walfrido Warde, presidente do IREE e a quem agradeço o convite para estar coordenando o IREE ECO, espaço para refletirmos sobre meio ambiente, sustentabilidade, crise climática, economia descarbonizada e sustentável, vida no planeta.
Não é mais possível desconhecer a gravidade da situação, apontada no mais recente relatório do IPCC, que pauta a Conferência de Glasgow: se não reduzirmos a zero, e imediatamente, as emissões de gases de efeito estufa, toda a vida na Terra estará ameaçada. Não temos “plano B”, esse é um caminho único e o tempo para percorrê-lo torna-se cada vez mais curto. Já sabíamos disso desde 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris com o propósito de conter em 1,5 graus o aumento da temperatura média do planeta, um limite além do qual, as grandes catástrofes seriam inevitáveis. Pois bem, esse número já foi alcançado. E mesmo que sejam cumpridos os itens do Acordo e as metas de redução das emissões de gases forem alcançadas, a temperatura aumentará 2,5 graus. Para resumir, seria o caos. Ou seja, a ousadia na mudança terá que ser maior se quisermos sobreviver.
Vamos direto ao ponto: chegamos a essa situação porque não conseguimos derrotar o grande inimigo que se ergueu nesse período: o negacionismo. Temos agora uma visão clara de como o negacionismo retira as nossas forças, pois vimos o resultado de sua maléfica ação na pandemia de Covid-19. Milhões de pessoas morreram porque grupos com poder nos governos e influência na opinião pública mentiram deliberada e criminosamente. Primeiro, colocaram em dúvida a existência do vírus, depois, minimizaram a gravidade da doença, questionaram as medidas sanitárias que poderiam reduzir o ritmo da contaminação, chegaram a inventar e distribuir uma pílula mágica que resolveria todos os problemas e agora espalham absurdos para induzir a população a rejeitar as vacinas.
Agora é do conhecimento de todos: negacionismo mata. Nós, que acompanhamos, preocupados, a evolução das mudanças climáticas, já conhecíamos sua versão anti-ambiental e já sabíamos das consequências catastróficas de ignorar os alertas da Ciência. Tem gente dizendo que a terra é plana, que não existe aquecimento global, que proteger o meio ambiente é participar de algum tipo de conspiração internacional e todo tipo de teorias insanas.
Mas a Ciência nos diz, claramente, que a alteração no clima é resultado da ação humana e só pode ser revertida por uma ação ainda maior. Temos pouco tempo para mudar o padrão de produção e consumo, limpar a matriz de energia, parar de destruir florestas. O mundo inteiro já está ciente da necessidade dessas mudanças que vão configurar um grande avanço na civilização. As grandes potências econômicas do planeta já estão superando o ceticismo e a resistência de seus setores mais conservadores e investindo grandes recursos financeiros, humanos e tecnológicos na contenção de suas emissões de gases estufa e na transição para uma economia de baixo carbono.
Chama muita atenção a situação do Brasil. Uma grande potência ambiental, com os maiores recursos para o futuro, queimando -literalmente- esses recursos rapidamente, o país já enfrenta graves problemas. Internamente, vive o início de um “apagão”, com eventos ambientais extremos prejudicando a produção, destruindo a infraestrutura, provocando crise energética e tudo o mais. Crise hídrica, tempestades de areia, o Brasil tem amostras do risco de um futuro nada desejável. Externamente, tornou-se um escândalo, deixando de ser parte da solução para ser parte do problema pela contribuição gigantesca que pode dar para o agravamento das mudanças climáticas, colocando grande quantidade de carbono na atmosfera em pouco tempo. Por ser uma potência ambiental, o Brasil pode ser -e está sendo- uma potência anti-ambiental. Já enfrenta a perda de potencial econômico e dificuldades nos negócios com a ameaça de bloqueios, suspensão de acordos, retirada de apoio e de investimentos.
O Brasil pode recuperar seu protagonismo no mundo e renovar suas oportunidades como Estado? Sim, mas depende de uma Diplomacia hábil e uma política ambiental firme, duas coisas que teve no início do século e foram perdidas, com prazo indeterminado para serem recuperadas. O desmonte nesses dois setores foi e continua sendo devastador. E certamente permanecerá pelo menos até o final do próximo ano, quando, após as eleições, um novo governo possa trabalhar intensamente para recuperar o prejuízo na governança ambiental e nas relações internacionais.
Imediatamente, o que temos é a possibilidade de reposicionar o país como Nação e como República Federativa, colocando Estados, Congresso (especialmente Senado) e Judiciário como protagonistas institucionais em decisões sobre o meio ambiente. A sociedade civil tem grande importância, não só internamente, mas também para a composição de uma imagem do país no exterior, passando a mensagem de que o governo é passageiro e a sociedade -especialmente depois da pandemia- há de retomar a linha evolutiva anterior.
Seguimos carentes de políticas públicas que promovam o desenvolvimento sustentável. Não podemos deixar passar a oportunidade de usar o conhecimento para agregar valor aos produtos da nossa biodiversidade, trabalhar as cadeias produtivas de produtos compatíveis com a floresta e plantar árvores. O desafio da mudança climática exige o plantio de um trilhão delas.
Mas o setor estrategicamente decisivo neste momento é o empresarial/econômico. É quem pode “empurrar” o país para o lado certo, porque tem autonomia e poder para investir nas novas oportunidades que aparecem na transição para uma economia de baixo carbono. O ambiente internacional é favorável e se destaca nele, as novas oportunidades que surgem na “corrida ambiental”, importante campo de disputa da nova guerra fria entre China e EUA. O Brasil pode ser um ponto de interseção entre essas potências, pois mantém com ambas, privilegiadas relações econômicas.
Por isso, comecei e quero encerrar este primeiro artigo, saudando a criação do IREE ECO, uma iniciativa civil que busca promover o diálogo e chamar Estado e Empresa para um novo entendimento nacional. Sei que esse diálogo é possível e que nada é possível sem ele. Em meus 8 anos de mandato como Senador, relatei ou propus os novos marcos legais em temas estratégicos para o futuro do Brasil, como o Código Floresta e a Lei da Biodiversidade. Coloquei o direito à água no artigo 6 da Constituição, como direito fundamental para a vida e fiz as articulações para trazer o Fórum Mundial da Água para o Brasil. Em todo esse período, conversei com muita gente, de todos os setores sociais e econômicos e das mais diferentes correntes políticas. Por isso, repito, um novo entendimento nacional não apenas é possível, mas é urgente e extremamente necessário.
Com Ciência e consciência, sairemos da crise maiores e cumpriremos o sagrado compromisso com a geração presente e com nossos filhos, netos e bisnetos, cujo julgamento justo nos aguarda no futuro.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Jorge Viana
É engenheiro Florestal, foi Prefeito de Rio Branco (1993-1996), Governador do Acre por dois mandatos (1999-2006) e Senador da República (2011-2018). No Senado, foi relator do Novo Código Florestal Brasileiro, da Nova Lei de Acesso à Biodiversidade e do Código da Ciência, Tecnologia e Inovação. É professor de Mestrado em Administração Pública no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e Coordenador do IREE ECO.
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