“Envelhecer no Brasil é muito perigoso”. Em comemoração a mais um Dia Mundial do Idoso (1º de outubro) e ao mês do Idoso, essa é a triste constatação da socióloga Dalia Romero, mestre em Demografia, doutora em Saúde Pública e chefe do Laboratório de Informação em Saúde (LIS) do Instituto de Comunicação e Informação Científica em Saúde (Icict/Fiocruz). E essa conclusão surge a partir de pesquisas e seminários com foco no envelhecimento e saúde do idoso, realizados desde há décadas.
“Cada vez mais, o envelhecimento vai chegar mais cedo no Brasil, devido à grande perda que temos em qualidade de vida em geral, que já vem de antes da pandemia”, comenta Dalia, lembrando que há dois anos, em 2019 – bem antes da chegada Covid-19, portanto – já eram sentidos os indicadores de uma perda da qualidade de vida para as pessoas idosas.
“Em 2019, perto do Dia Mundial do Idoso, já falávamos inclusive em gerontocídio, ocasionado pelo abandono das políticas públicas e serviços de saúde como foi o corte do investimento em saúde e a recente reforma da previdência que, na prática, acabou com a possibilidade de aposentadoria, reduziu as pensões e feriu de morte o sistema previdenciário. A volta do Brasil ao mapa da fome também anunciava o gerontocidio. Passar fome para uma pessoa idosa que sofre com a diversas doenças e limitações é reduzir acentuadamente sua capacidade de sobrevivência.
Dalia reforça que o principal obstáculo para garantir a saúde do idoso é a falta de um suporte social. A pandemia mostrou que ser rico ou de classe média não garante à pessoa idosa ter ajuda e cuidados adequados, que é preciso um pacto social para defender a Estratégia de Saúde da Família e o SUS para todas e todos façam prevenção, com visitação em casa para evitar doenças crônicas que afetam a qualidade de vida. A tecnologia médica do século 21 teve avanços para que a gente sobreviva a muitas doenças que antes matavam, mas são as políticas de estado que irão garantir uma sociedade inclusiva, que permita envelhecer sem medo. A pandemia para as pessoas idosas poderia ter sido menos ameaçadora se a atenção básica estivesse fortalecida, se tivesse mapeamento dos endereços e contatos das pessoas idosas e tivéssemos feito, como em alguns países, redes de atenção telefônica, visitas domiciliares para atenção, promoção e prevenção. No Brasil, nem ricos nem pobres tiveram essa atenção.
Familiares que cuidam de pessoas idosas também sofrem muito, sentem-se isolados, tristes, como verificamos com a Pesquisa ConVid – Pesquisa de Comportamento, realizada em 2020 durante a pandemia e coordenada pelo Icict. “No Rio, em algumas favelas, como Maré e Manguinhos, por conta da iniciativa de instituições como a Fiocruz, vimos capacidade de organicidade de solidariedade – com grupos de mulheres negras, de jovens já acostumados a resistir, que tentaram proteger à população idosa. Não conheço iniciativa similar em bairros nobres e de classe média”, afirma. Segundo Dalia, a pandemia trouxe um elemento novo, e ruim, para idosos e idosas: o isolamento na hora da morte.
“A maioria das pessoas tem a fantasia de que irá morrer bem, dormindo e de infarto. Mas, essa não é a realidade. A pandemia nos ensinou um novo medo de morrer, que não é exatamente o medo da morte, mas, sim, do tipo de morte que se aproxima. Hoje, temos muito medo de morrer mal – que é terminar a vida sozinho e isolado num quarto de hospital. A pandemia ilustrou bem isso. No futuro, quando virmos as fotos do que foi a pandemia, a imagem mais forte será a de pessoas morrendo sozinhas num quarto, muitas vezes intubadas, mas principalmente sozinhas, isoladas, porque todos em volta tinham medo do contato, da proximidade.”
A pesquisadora, que trabalha com questões do envelhecimento há quase duas décadas, acredita que a pandemia aumentou a ignorância sobre o processo de envelhecimento e a saúde do idoso.
A chefe do LIS critica também a falta de atenção da comunidade científica em relação à saúde dos idosos e idosas. “Acho que as instituições de fomento de pesquisa têm que incorporar o envelhecimento e a saúde do idoso em suas iniciativas. Entre os editais de pesquisas realizadas em 2020 e 2021, são muito poucas, poucas mesmo, que têm alguma frase relativa ao envelhecimento. Vejo uma resistência cultural por parte dos grupos organizados que definem as pautas das pesquisas e dos investimentos em Saúde.”
Dalia enfatiza a necessidade de se envolver, por força de lei, o Estado e a sociedade na proteção das pessoas idosas, defesa da dignidade e bem-estar, garantindo-lhes o direito à vida, como promulga o artigo 230 de nossa Constituição.
E chama a atenção para a desigualdade do envelhecimento: “Não é qualquer um que chega a idoso no Brasil. Alta proporção de população pobre, indígenas e negras, morrem antes de fazer sessenta anos”. Então, quem tem direito a envelhecer no Brasil?
Finalizando, Dalia lembra a adesão, do Brasil, em 2020, ao plano “Década do Envelhecimento Saudável 2020-2030”, lançado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que tem quatro áreas de atuação: 1) Mudar a forma como pensamos, sentimos e agimos com relação à idade e ao envelhecimento; 2) Garantir que as comunidades promovam as capacidades das pessoas idosas; 3) Entregar serviços de cuidados integrados e de atenção primária à saúde centrados na pessoa e adequados à pessoa idosa; e 4) Propiciar o acesso a cuidados de longo prazo às pessoas idosas que necessitem.
Dalia Romero participou no lançamento dos resultados do mais recente trabalho – a Pesquisa Nacional sobre as Condições de Trabalho e Saúde das Pessoas Cuidadoras de Idosos na Pandemia, no qual é coordenadora adjunta junto com o professor e pesquisador Daniel Groisman, da EPSJV-Fiocruz, enfatizando que numa sociedade digna deve-se cuidar de quem cuida.
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