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Entenda seus direitos antes de dar o CPF na farmácia

Já virou rotina: em todo o Brasil, consumidores são diariamente pressionados a entregar seu CPF na hora de comprar medicamentos. Posteriormente, a sanha das redes de farmácias por dados pessoais foi além, e muitas passaram a demandar dados biométricos, como é o caso da impressão digital.

Esse movimento levou o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) a acionar a Abrafarma (Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias) e a notificar extrajudicialmente a Droga Raia – que se comprometeu a abandonar a prática. O Ministério Público e os Procons também estão atentos e têm tomado medidas para coibir abusos.

Mesmo assim, a coleta de dados pessoais nas farmácias ainda é generalizada em todo o país e é fundamental que você saiba exatamente quais são os seus direitos e quais são os deveres das empresas no tratamento das suas informações. Veja a nossa lista de perguntas e respostas sobre o tema e proteja-se.

– O que a LGPD fala sobre coleta de dados pessoais?

A Lei Geral de Proteção de Dados existe para regular o tratamento de dados pessoais no Brasil, o que inclui desde a coleta dessas informações até seu compartilhamento, classificação, arquivamento e armazenamento por órgãos públicos, empresas e pessoas físicas. É uma boa prática a elaboração de um relatório de impacto descrevendo, entre outras coisas, o tipo de informação coletada, a metodologia aplicada para a segurança dos dados e os mecanismos adotados para mitigar riscos.

– Essas obrigações mudam no contexto da saúde?

Os dados relacionados à saúde são sensíveis, o que significa que merecem um tratamento especial e estão submetidos a regras específicas – como também é o caso para informações sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política ou aspecto genético ou biométrico.

A LGPD permite o tratamento de dados pessoais de saúde sem o consentimento do usuário em casos de “tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridades sanitárias”, ou seja, apenas para o assistência médica ou sanitária justificada. Em todos ou outros casos, o compartilhamento dessas informações está proibido sem o consentimento expresso.

Ainda, por envolver dados pessoais sensíveis, as empresas não podem justificar o tratamento de dados por legítimo interesse. Operadoras de planos de saúde, por exemplo, não podem utilizar dados de seus usuários para a formulação de perfis de risco ou para a seleção dos consumidores.

– Quais são os dados sensíveis envolvidos na venda de medicamentos?

Como o conceito de dado pessoal sensível inclui qualquer informação “referente à saúde ou à vida sexual”, diversos dos dados envolvidos na venda de medicamentos e outros produtos vendidos em farmácias, como preservativos, estão dentro dessa categoria.

Se você vai à farmácia para comprar um medicamento antidiabético como a liraglutida ou a metformina, que estão entre os mais vendidos no Brasil, essa informação indica que você ou uma pessoa próxima apresenta estado pré-diabético ou diabético e isso pode ser usado, por exemplo, para análises de risco de saúde e para identificação de outras necessidades de consumo que você possa ter.

– O que a Anvisa diz sobre tratamento de dados pessoais?

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) determinou que é responsabilidade do estabelecimento farmacêutico assegurar a confidencialidade dos dados, a privacidade do usuário e a garantia de que acessos indevidos ou não autorizados a estas informações sejam evitados, protegendo seu sigilo. Além do necessário cumprimento da LGPD, os dados dos usuários não podem ser utilizados para qualquer forma de promoção, publicidade, propaganda ou para induzir o consumo de medicamentos.

– Quais são os direitos do usuário em relação aos seus dados quando compra um medicamento na farmácia?

Você, enquanto consumidor e titular de dados, tem diversos direitos a serem respeitados – e você pode exigi-los nos canais abertos pela farmácia para esse fim (geralmente no próprio site da empresa).

Você tem o direito a:

Confirmar a existência do seu registro na base de dados;
Acessar e corrigir dados incompletos, inexatos ou desatualizados;
Se o cadastro das informações foi feito com o seu consentimento, você pode revogá-lo e requisitar a eliminação dos dados;
Se o cadastro foi feito sem o seu consentimento, você pode se opor ao uso das suas informações pessoais;
Requisitar a portabilidade (compartilhamento) e/ou demandar informações sobre com quem os seus dados foram compartilhados;
Vale lembrar, ainda, que o uso das suas informações deve servir a uma finalidade específica, adequada e informada ao consumidor, e que elas só podem ser compartilhadas com terceiros (mesmo dentro do mesmo grupo empresarial) com o seu consentimento.

– Há alguma situação em que a farmácia é obrigada a coletar dados pessoais?

Sim. A farmácia é obrigada a coletar dados pessoais do usuário em casos de medicamentos de receita controlada, como antibióticos ou psicotrópicos, em que há também retenção de receita médica – ou seja, é necessário deixar uma via da receita com o estabelecimento para fins de controle da vigilância sanitária.

Ainda assim, não é necessário coletar nem o CPF nem qualquer outro dado do consumidor para além dos que já estão na receita. De acordo com as normas da Anvisa, basta o nome completo e o endereço.

– O usuário pode se recusar a fornecer os seus dados? Se sim, quais são os deveres da farmácia?

Nos casos que não envolvam a compra de antibióticos e outros medicamentos de receita controlada, o consumidor pode se recusar a fornecer seus dados e não pode ser penalizado por isso.

– A farmácia pode se recusar a dar um desconto significativo para um consumidor que não queira compartilhar seus dados?

O Idec entende que vincular descontos à entrega de dados pessoais é uma prática abusiva, mas o entendimento ainda está em discussão nas instâncias judiciais e administrativas e varia de um lugar a outro. Em Minas Gerais, por exemplo, após uma ação do Procon, uma farmácia foi condenada por condicionar descontos ao fornecimento do CPF sem fornecer informações claras e adequadas.

Essa questão é particularmente delicada porque muitas vezes o consumidor se vê diante da situação de ter de entregar o seu CPF para receber um desconto significativo. Vale destacar que, às vezes, esses descontos são dados sobre os preços máximos autorizados para cada medicamento, e não sobre os preços reais do mercado – que são geralmente muito menores.

– Quais são os riscos de fornecer os dados para a farmácia? Como saber se a farmácia que eu frequento toma as devidas medidas de mitigação/redução desses riscos?

Como qualquer tratamento de dados, há uma preocupação com a segurança da informação, ou seja, com a confidencialidade (só quem é autorizado pode acessar); integridade (adequação, veracidade, validade, disponibilidade e sem adulteração) e disponibilidade dos dados.

Um dos principais riscos é o de vazamento de dados, que têm sido recorrentes no Brasil, inclusive por parte do Ministério da Saúde.

Outra preocupação é de que haja compartilhamento indevido com terceiros – caso em que a farmácia passa ou vende as informações de seus clientes com empresas farmacêuticas ou operadoras de planos de saúde, por exemplo. Essa prática, além de configurar compartilhamento indevido, pode gerar discriminação ilegal.

Por tudo isso, é fundamental que a farmácia possua uma política de privacidade e protocolos de segurança da informação fortes e claros para os seus consumidores. Essas informações devem constar em seu site oficial, assim como o contato da pessoa encarregada da proteção de dados, para os casos em que os consumidores queiram exigir seus direitos.

– Como e onde denunciar práticas abusivas relativas ao uso de dados e descontos condicionados em farmácias?

Primeiro, entre em contato com a empresa. Caso a situação não seja resolvida, denuncie práticas abusivas. Para isso você pode buscar:

O Procon da sua cidade ou estado, inclusive por denúncia online. Esses dados também são compilados na plataforma consumidor.gov.br, onde se encontram informações sobre reclamações às empresas;
A ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), caso se trate de um problema de proteção de dados;
A Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), quando se tratar de um medicamento oferecido por preço acima do Preço Máximo ao Consumidor ou muito acima do restante do mercado.
– Qual é a diferença entre o cadastro na farmácia e no laboratório?

Quando fornecemos nossas informações ao vendedor no balcão das farmácias, podemos estar realizando um cadastro tanto na farmácia quanto no laboratório farmacêutico.

A farmácia é uma revendedora de medicamentos e de outros produtos, enquanto o laboratório é a empresa que produz o medicamento. Muitos laboratórios oferecem programas de desconto ao usuário, especialmente aqueles que utilizam medicamentos de uso contínuo. Esse cadastro é, muitas vezes, realizado no próprio balcão da farmácia, que fica como intermediária entre o consumidor e o laboratório farmacêutico.

Por se tratarem de dois cadastros diversos, a informação ao consumidor tem de ser clara. Se o atendente fizer os dois cadastros (o da farmácia e o da farmacêutica), o usuário terá de dar dois consentimentos de acordo com o tratamento de dados aplicado por cada empresa.

– O que significa dar consentimento? Fornecer o CPF na farmácia em troca de desconto é uma forma de consentir?

O consentimento é uma das hipóteses de tratamento de dados (diferente do tratamento justificado por uma obrigação legal ou requisição judicial, por exemplo) previstas pela LGPD.

Para que o consentimento seja qualificado, ou seja, para que a coleta desse consentimento respeite a lei, ele deve representar: uma manifestação livre (sem coação), informada (respeitando o direito à informação) e inequívoca (claro, explícito) de concordância. Além dessas três características, o consentimento deve ser destinado ao tratamento de dados pessoais para uma finalidade determinada (lícita e informada).

Na prática, isso significa que um consentimento é válido somente quando você tem plena informação e não está sendo forçado a concedê-lo.

No caso dos CPF nas farmácias, para que o consentimento seja considerado qualificado, o consumidor precisa ser suficientemente informado sobre como seus dados serão utilizados e como serão compartilhados. Sem essas informações, o consentimento não é qualificado.

Além disso, o próprio desconto pode limitar a liberdade do consumidor para decidir ceder ou não as suas informações. Descontos não são irregulares, mas a imposição de preços mais elevados para consumidores que não fornecem seus dados é.

– Quais são as regras para acessar o programa Farmácia Popular e quais dados preciso fornecer?

O Programa Farmácia Popular é um programa do Governo Federal que permite a aquisição de medicamentos com descontos ou de maneira gratuita (antidiabéticos, anti hipertensivos e medicamentos para asma) em farmácias privadas. Farmácias que participam do programa são identificadas com seu símbolo e seu nome completo “Aqui tem Farmácia Popular”.

Para acessar os medicamentos, o usuário deve fornecer prescrição médica contendo seu endereço (que pode ser preenchido no momento da compra pelo farmacêutico), nome do medicamento, forma de uso, identificação do médico. Também deve apresentar documento com foto e número de CPF.

Considerando que esses dados são obtidos por exigência regulatória para participação no programa, a farmácia está proibida de compartilhar ou utilizá-los para qualquer outro fim que não a operacionalização do programa, salvo consentimento expresso do usuário.

Edmilson Ferreira
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Edmilson Ferreira

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