A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) promoveu uma audiência pública, na tarde desta segunda-feira (4), com foco na situação da população de rua. Os debatedores, que participaram da audiência de forma remota, apontaram que essa população cresceu no país com a pandemia do coronavírus. Eles também cobraram mais atenção do poder público com esses brasileiros.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), vice-presidente da comissão e autor do requerimento para o debate, foi quem coordenou a audiência. Ele disse que o aumento da população de rua provocado pela pandemia é um fenômeno amplamente conhecido. E que essa população, após a covid-19, passou a sofrer ainda mais, seja devido à falta de condições para implementar o isolamento social, seja por não ter acesso a máscaras e álcool gel. O senador também destacou que o aumento do desemprego e a “condução desastrosa” do governo federal no enfrentamento da pandemia colaboraram para o crescimento da população de rua.
— Não precisamos ir longe; basta virar a esquina. A população de rua está lá e precisamos agir — declarou ele.
Contarato ainda defendeu a aprovação do PL 488/2021, projeto de lei de sua autoria que proíbe a chamada arquitetura hostil — a qual utiliza diversos elementos com o objetivo de manter distância ou fixar uma separação em relação aos moradores de rua ou mesmo proibi-los de se estabelecerem em áreas públicas (como viadutos ou praças). É o caso, por exemplo, do uso de pontas ou esferas de concreto para impedir que uma pessoa durma debaixo de um viaduto. O projeto tem sido chamado de Lei Padre Julio Lancellotti em homenagem ao trabalho desse padre em favor das populações em situação de rua na cidade de São Paulo.
A participação de Julio Lancellotti na audiência estava prevista, mas sua assessoria informou que ele não pôde participar devido a problemas de conexão à internet. Contarato elogiou o trabalho de acolhimento de “irmãos e irmãs da rua” promovido pelo padre e afirmou que o Lancellotti é um exemplo de cidadão.
— Ser cidadão é ter empatia e ter empatia é se colocar na dor do outro. A pergunta que eu sempre me faço é: o que eu fiz para reduzir as desigualdades?
O coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de Vitória (ES), Júlio César Pagotto, disse que tem tido dificuldade de diálogo com o poder público. Para Pagotto, o avanço na articulação das políticas públicas voltadas para a população de rua ainda tem sido tímido. Ele destacou que, no início da pandemia, foram as igrejas e as organizações civis que socorreram essas pesoas. Ele também afirmou que é fácil perceber que a população de rua vem aumentando durante a pandemia. Pagotto cobrou um Estado mais atuante e mais atenção com esses brasileiros.
— Temos tido políticas precárias e insuficientes para essa população. Em Vitória, temos tido ações truculentas, tirando até agasalhos e carrinhos de compra das populações de rua — denunciou.
A procuradora Elisiane dos Santos, do Ministério Público do Trabalho, destacou que a população de rua também é uma população trabalhadora, que luta pela sobrevivência diária. Por não ter direitos reconhecidos, argumentou a procuradora, eles são brasileiros que vivem em situação vulnerável. Segunda ela, há levantamentos que apontam que 70% da população de rua têm algum tipo de trabalho. Também 70% dessa população, destacou ela, são de negros e pardos. Para a procuradora, as políticas públicas precisam ser pensadas em termos de raça e gênero, e com atenção na criança.
— Trata-se de uma situação histórica, com naturalização da violência a homens, mulheres e crianças negras, a quem tem sido negada uma série de direitos — ressaltou.
O psicólogo Carlos Alberto Ricardo Júnior, representante do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População de Rua (Ciamp-Rua), lembrou que várias organizações civis apresentaram ao governo federal sugestões de orientações logo no início da pandemia, voltadas para a prevenção do contágio da covid-19. O Ciamp-Rua é um órgão consultivo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, composto por representantes do governo e da sociedade civil.
Segundo Carlos Júnior, vários ministérios transformaram as sugestões em orientações oficiais, como cartilhas com medidas de prevenção e recomendações de uso de máscaras e isolamento. Ele disse ainda que o atendimento para a população de rua precisa ser mais profundo, com foco na moradia.
— O acesso à moradia é a porta de entrada para os demais direitos — afirmou ele.
O coordenador do Núcleo de População em Situação de Rua da Fiocruz, Marcelo Pedra Machado, destacou as divergências entre os números das pesquisas sobre a população de rua.
Machado informou que uma estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de março de 2020 aponta quase 222 mil brasileiros nessa condição — ele lembrou que essa estimativa foi feita antes da pandemia. O único levantamento do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para essa população, realizado em 2008, apontou cerca de 50 mil pessoas. Já o Serviço Único de Saúde (SUS) registrou 155 mil atendimentos no programa Consultório da Rua (voltado para a população de rua), em dezembro de 2020, número que representa três vezes mais que o registrado em 2019.
Marcelo Machado disse que a população que passou a morar na rua devido à pandemia tende a ser mais aberta a políticas de acolhimento e precisa de um tratamento específico. O pesquisador frisou que a população de rua não é homogênea e precisa de um olhar especial por parte do poder público. Ele ainda informou que uma pesquisa na cidade do Rio de Janeiro confirmou a relação da falta de emprego com a situação de rua.
— Precisamos ter um censo para essa população. Quanto mais tempo a pessoa fica na rua, mais fácil fica para ela naturalizar sua situação — alertou.
O psicólogo Eduardo de Carvalho Mota, representante do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, defendeu mais mais acesso à Justiça por parte da população de rua. Além disso, ele lamentou a falta de números confiáveis para identificar a quantidade dessas pessoas no país.
— O país consegue contar [o número de] animais domésticos e gado, mas não consegue contar a população de rua — criticou.
A coordenadora de População e Indicadores Sociais do IBGE, Cristiane Moutinho, afirmou que o instituto tem trabalhado para trazer dados mais confiáveis e específicos nas pesquisas relacionadas aos moradores de rua.
Também do IBGE, o pesquisador Gustavo Junger da Silva reiterou que a pandemia levou ao aumento da população de rua, além de fazer crescer o número de famílias em domicílios precários. Segundo ele, o próximo censo do IBGE, previsto para o ano que vem, terá uma pesquisa para os domicílios improvisados, inclusive com desmembramento das classificações. O objetivo é dar uma ideia mais próxima da realidade das ruas e, assim, permitir políticas públicas mais direcionadas a essas pessoas.
— Precisamos de um horizonte para discutir os dados sobre a população de rua do Brasil — declarou Gustavo da Silva.
A audiência foi realizada de forma interativa, com a participação popular viabilizada por meio do portal e-Cidadania. O senador Fabiano Contarato destacou algumas dessas participações: Jeová Chagas, de Minas Gerais, lamentou o grande número de pessoas em situação de rua, principalmente em uma cidade tão rica como São Paulo. Neyla Maria, do Rio Grande do Sul, disse que as populações de rua são formadas por pessoas que não têm oportunidade e emprego digno. Jeferson Barbosa, da Bahia, pediu mais atenção do governo com a população de rua, principalmente devido ao agravamento das condições climáticas. E Vanessa Oliveira, de Minas Gerais, sugeriu a implantação do imposto sobre grandes fortunas para financiar políticas públicas voltadas para a população de rua.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado
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