A febre do ouro contaminou Rondônia na década de 80. Era comum a presença de balsas com garimpeiros na divisa do Acre com o estado vizinho. Na travessia da foz do rio Abunã com o Madeira (Madre de Dios) principalmente. À época, contava-se muitas histórias e estórias da vida difícil nos garimpos.
Ouro fácil, fortuna, bebidas, mulheres. Prostituição, roubos e assassinatos. Vilas surgiam do nada. Os rios mais pareciam formigueiros humanos. Uma herança da Serra Pelada, no Pará, a montanha de ouro. Muitos migraram de lá para Rondônia com o fim do metal por lá.
A febre chegou ao Acre. Se no Madeira tinha ouro por que no rio Acre não teria, já que a sua nascente também é no Peru, o Eldorado dos espanhóis?
Nesse contexto social e econômico da época, da febre do ouro, surge o Joaquim Frota de Souza. Nascido nas barrancas do rio Acre, entre Brasiléia e Assis Brasil.
Joaquim, era o 1º filho de uma linhagem de 18, carinhosamente chamado de “Frota” ou “Quinca”, era o herói de sua casa. Foi o primeiro a sair do mato para a cidade. Aventurou-se no mundo enquanto irmãos e irmãs viviam da extração da castanha, da borracha, do plantio do tabaco. Se alimentavam da pesca, caça e da criação de uma pequena semente de gado. Lá no seringal Sacado, colocação Bufeu. Terras do velho João Thomaz.
Em suas andanças pelo Mundo Joaquim conheceu um homem em um boteco que se dizia garimpeiro. Foi lá pras bandas do Abunã. Parecia mais um pistoleiro, muito comum naqueles dias. Ficou impressionado com o tipo:
Um sujeito baixo, atarracado, queimado do sol, cabeludo e todo cheio de tatuagens. Os olhos fundos, olheiras, cicatriz no rosto do lado esquerdo. Marcas de tiro e faca pelo corpo. Resultado de brigas. Tinha a boca larga, dentes manchados de nicotina. Usava um cordão grosso prateado no pescoço, bermuda branca, camisa de botão amarela aberta na altura do peito, sandálias de couro, revólver Tauros, calibre 38, uma faca de bainha na cintura. Falava alto e sorria ao mesmo tempo com sotaque nordestino. Lembrava um cangaceiro.
Joaquim convenceu o pai a investir na busca por ouro. Ficariam ricos, sem ter que nunca mais trabalhar. O velho se animou com as notícias que chegavam de Rondônia. Dizia ele que eram as novas minas do rei Salomão. Um de seus filhos, o Júlio, apelidado de “Êga”, por ser gago, tinha até achado um pó meio amarelado. Uma espécie de ferrugem que aparece nas praias do rio Acre no verão. Vem de uma água amarelada que escorre do barranco.
_ Papai, pelo amor de Deus, isso é ouro, vamos investigar, dizia o Gago, com um brilho intenso nos olhos, comum aos que enlouquecem em busca do metal precioso. O velho acreditou.
A partir desse ponto a história é narrada pelo seu Chico Frota, patriarca da família Frota, falecido recentemente aos 92 anos.
_ O meu filho Joaquim chegou aqui com esse tal garimpeiro. O homem parecia o satanás. Comeu uma banda inteira de um barrão de engorda. Trouxe uma bateia, mercúrio e outros apetrechos numa mochila velha, desbotada e fedorenta. Tudo comprado com o adiantamento das minhas economias que eu tinha dado ao Joaquim. À primeira vista, para nos animar, foi logo dizendo que havia ouro no rio, que ele tinha sentido o faro. Disse Joaquim que até com magia maléfica ele mexia.
Depois de alguns dias, comendo e bebendo de graça, chegada uma sexta feira, beirando a meia noite, fomos para a beira do rio, na boca do igarapé Bufeu. Levamos cachaça, uma galinha preta morta, um prato fundo de plástico, vela e fósforo. A primeira coisa que ele fez foi ficar nu. Passou lama do igarapé no corpo inteiro A gente só via os olhos vermelhos. Parecia o cão quando perde as botas. Mandou acender a vela, colocar no prato, e soltar no rio.
O prato desceu boiando na correnteza. Passou pela ponta d’água no pé do salão e entrou no remanso. A noite estava muito escura, um breu só. Acompanhávamos em silêncio aquela arrumação. Mais abaixo o prato ficou rodando na água. Ele quebrou o silêncio e disse: “O ouro tá ali”. Arregalamos os olhos, ficamos alegres, até que enfim ouro!
O garimpeiro tomou meia garrafa de cachaça de uma tacada só, deu duas tragadas fortes no cigarro e mergulhou. Eu e meus filhos ficamos apreensivos, com medo mesmo.
Cá comigo: Já pensou o Joaquim me trazer um filho da puta desses para morrer afogado nas minhas terras. Podem até pensar que nós matamos o homem para ficar com o ouro. O ouro já é nosso.
Passado uns minutos o garimpeiro gritou chamando. Entramos na canoa e fomos para lá. Ele estava sentado no barranco, pediu um cigarro, mais uma dose da cachaça, foi quando o Joaquim perguntou:
_ Diga logo companheiro, você encontrou o ouro do meu pai?
Ainda ofegante respondeu.
_ Mergulhei muito fundo, na escuridão das trevas onde o ouro brilha, vi um fogo, mas não era ouro. Mergulhei mais fundo ainda, passei quatro dias de viagem depois do inferno, encontrei o satanás plantando taboca. Aqui pode ter tudo, menos ouro, ele disse.
Na hora me virei pro Joaquim, meu filho, e falei: Joaquim pegue suas coisas, e a de seu amigo e sumam da minha vista. Vão comer e beber cachaça de graça na caixa prego. Pela madrugada o Joaquim e o tal garimpeiro foram embora a pé. Nem um animal cavalar eu emprestei.
Como testemunha da aventura na busca por ouro no rio Acre, ficou esquecida a bateia. Depois de algum tempo o Joaquim voltou para casa desconfiado. Junto com os irmãos ainda andou caçando ouro com a velha bateia, que teve um fim nada honroso: acabou servindo de cocho para dá água pros pintos.
(Eu mesmo vi a bateia no terreiro, perguntei o que era aquilo. Foi então que seu Chico me contou essa história, a aventura da busca por ouro no rio Acre).
Do garimpeiro não se teve mais notícias…nunca mais se falou em ouro entre eles. Era proibido.
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