Política

Senado pode votar revogação da Lei de Segurança Nacional antes do recesso

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) anunciou nesta sexta-feira (25) que vai pedir ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a votação do projeto que revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN) antes do recesso parlamentar, previsto para 17 de julho. Relator do PL 2.108/2021, Rogério presidiu nesta sexta uma sessão remota de debates temáticos sobre o assunto, com participação de especialistas em direito penal.

“Essa é uma matéria que está bastante sedimentada. É oportuno botar em votação neste momento. Se o presidente [Rodrigo Pacheco] puder pautar o mais rápido possível, vamos enterrar de vez a LSN. O projeto pode não ser aquilo que se deseja, do ponto de vista de sua precisão. Mas é o primeiro passo”, afirmou.

A Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170, de 1983) foi sancionada pelo então presidente da República, João Figueiredo — o último do ciclo militar iniciado com o Golpe de 1964. Rogério Carvalho lembrou que a LSN guarda “resquícios autoritários da época em que foi editada”. O senador disse ainda que, embora “tenha caído em certo esquecimento após a Constituição de 1988”, a LSN voltou a ser usada contra opositores do presidente Jair Bolsonaro.

“Ela nunca foi revogada, mas poucas vezes serviu como fundamento para ações judiciais. Porém, quando serviu, geralmente foi para apontar para supostos crimes de manifestação e pensamento. De alguns anos para cá, houve um notável crescimento de inquéritos policiais instalados com fundamento na LSN. De 7, em 2016, o número de inquéritos saltou para 51 em 2020′, destacou.

A LSN foi duramente criticada por advogados, juristas e representantes da sociedade civil que participaram da sessão. A norma foi classificada como “anacrônica”, “morta insepulta”, “grande ameaça”, “lixo” e “entulho autoritário”. Todos os debatedores defenderam a revogação da lei. Alguns deles, no entanto, advertiram que a norma não deve ser substituída por outra que também se preste à perseguição de movimentos sociais ou opositores políticos.

Camila Asano é coordenadora jurídica da ONG Conectas Direitos Humanos. Para ela, a LSN é “incompatível de todas as formas” com a democracia restabelecida em 1988. Ela ressaltou que a lei vem sendo usada para “respaldar ameaças e intimidações contra vozes críticas ao governo”.

“O número de inquéritos abertos entre 2019 e 2020, os primeiros anos de Jair Bolsonaro na Presidência, subiu 285% em relação ao dois primeiros anos de mandato de Dilma Rousseff e Michel Temer. Essa explosão se insere em uma estratégia de intimidação judicial, promovida pelo governo federal com o objetivo de amedrontar e calar qualquer tipo de oposição. Está mais do que na hora de nos livramos desse entulho autoritário”, afirmou.

Cautela

A jornalista Virgínia Dirami Berriel, representante do Conselho Nacional de Direitos Humanos e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), classificou a LSN como “uma grande ameaça”. Ela defendeu o “sepultamento da lei”, mas sugeriu atenção do Congresso Nacional na definição da norma que deve substituir a lei revogada.

“Precisamos ter muita cautela para trabalhar outra lei, para que não apresente qualquer tipo de inibição, perseguição, censura ou ataques a movimentos sociais e sindicais. Para que não se interfira na nossa liberdade e não restrinja greves, manifestações ou atos políticos. Isso não podemos admitir”, disse.

A coordenadora da ONG Artigo 19, Raisa Ortiz, reconhece que a revogação da LSN é “realmente urgente”. Para ela, a manutenção da norma no ordenamento jurídico brasileiro “é uma grande dívida da democracia”. Mas a debatedora também demonstrou preocupação com a legislação que virá a seguir.

“Não há consenso. É muito grave que a gente tenha feito esse debate na rapidez com que se fez. O debate formal na Câmara dos Deputados não durou 15 dias. Algo tão sério para a democracia brasileira não pode ser debatido dessa forma”, lamentou.

Raisa Ortiz alertou ainda para o risco de o PL 2.108/2021 ser parcialmente vetado pelo presidente Jair Bolsonaro. Segundo ela, isso geraria um vácuo legislativo que poderia influenciar o processo eleitoral de 2022.

“O processo eleitoral já começou. Se fizermos as contas entre o veto e a [eventual] negativa a esses vetos, vamos ter vigente uma nova lei nos moldes do governo federal durante o processo eleitoral. Isso é um risco enorme para nossa democracia. Ter vigente uma lei dessa forma, sem saber como vai ficar depois dos vetos por três ou quatro meses, é um risco grave”, afirmou.

A advogada Juliana Vieira dos Santos, representante da Rede Liberdade, também defendeu a revogação da “velha LSN”. Ela lembrou que a lei em vigor “voltou o aparato repressivo do Estado contra seus próprios cidadãos” e, desde 2019, passou a ser usada contra críticos do presidente Jair Bolsonaro.

“Ela voltou a ser assunto por enquadrar desde cartunistas que fazem charges críticas ao presidente da República até servidores que divulgam informações discutidas no Ministério da Saúde, cumprindo sua função institucional. A LSN têm sido usada, sim, muito usada, para reprimir aqueles que criticam representantes do governo. Uma tentativa de repressão para asfixiar críticos e opositores, como se houvesse um inimigo interno”, disse.

Ajustes

Juristas que participaram da sessão de debates temáticos defenderam ajustes no projeto aprovado pela Câmara. Para Alaor Leite, professor de direito penal da Universidade Humboldt (Alemanha), a LSN “é uma morta insepulta” e o Congresso precisa “formalizar o sepultamento”.

Leite, no entanto, recomendou uma mudança no artigo do PL 2.108/2021 que tipifica a prática de “comunicação enganosa em massa”. De acordo com o texto, incorre no crime quem promover ou financiar campanha ou inciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos e capazes de comprometer o processo eleitoral.

Para o professor, a redação atual permite a interpretação de que só haveria crime se todo o processo eleitoral fosse comprometido por fake news. Ele recomendou que o texto preveja a ocorrência do crime, caso a comunicação enganosa “comprometa a higidez do processo eleitoral”.

O advogado Alexandre Wunderlich, doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sugeriu reparo no dispositivo que tipifica a incitação pública à prática de crime. O texto original pune quem estimula a animosidade entre as Forças Armadas ou entre os militares e os Poderes constitucionais, as instituições e a sociedade. Para Wunderlich, é preciso incluir no texto as forças auxiliares de segurança pública, como policiais militares e reservistas.

O professor Maurício de Oliveira Campos Júnior, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, recomendou uma mudança no artigo que habilita partidos políticos para promover ações penais privadas subsidiárias. Esse tipo de ação ocorre quando o Ministério Público fica inerte diante de um inquérito policial.

O PL 2.108/2021 admite a atuação dos partidos políticos com representação no Congresso em três crimes específicos: comunicação enganosa em massa, interrupção do processos eleitoral e violência política. Para Campos Júnior, “seria prudente reduzir o impacto dessa novidade”.

“A sugestão é excluir a hipótese do crime de violência política. Nesse tipo de crime, sempre há vítimas determinadas. Pode ser que a legitimidade dos partidos políticos em relação a tais delitos traga uma perplexidade enorme, porque os partidos políticos substituiriam os ofendidos, e isso traria uma situação relativamente complexa. Os partidos políticos estariam usurpando tal legitimidade ativa”, ponderou.

O professor de direito constitucional Pedro Estevam Serrano afirmou que a LSN representa uma “herança nefasta do regime militar”. Embora reconheça que o projeto aprovado pelos deputados não é ideal e é passível de ajustes, Serrano defendeu a manutenção do texto pelos senadores.

“É um projeto bom. Atende a certas demandas, melhora muito e retira a legislação vigente do âmbito do autoritarismo. Na atual conjuntura, é importante ser mantido. São mais de centenas de casos de mau uso da LSN contra advogados, jornalistas, cartunistas e até contra um ministro do Supremo Tribunal Federal”.

Fonte: Agência Senado

Edmilson Ferreira
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