A pedido do MPF, JF confirma suspensão dos efeitos de norma da Funai que favoreceria grilagem de terras indígenas no Acre
Instrução Normativa 9/2020 restringe direito dos indígenas às suas terras e oferece risco a negócios e favorece a prática de grilagem
Acolhendo parcialmente pedido feito em ação civil pública pelo Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal (JF) no Acre confirmou a liminar anteriormente concedida e suspendeu os efeitos da Instrução Normativa (IN) 09/2020 da Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre as terras indígenas existentes no estado.
Na sentença, a JF reconheceu os argumentos apresentados pelo procurador da República Lucas Costa Almeida Dias e demais integrantes do GT Demarcações de Terras Indígenas do MPF (6ª Câmara), que demonstravam que a IN9 restringe o direito originário dos índios às suas terras, aumenta o risco de conflitos fundiários e viola a publicidade e a segurança jurídica aos negócios envolvendo propriedades que sobrepõe terras indígenas, pois permite, de forma ilegal e inconstitucional, que sejam negociados, entre particulares, títulos de terra declarados nulos e extintos, pois incidentes sobre terras indígenas constitucionalmente protegidas.
A sentença determina que a FUNAI mantenha, no SIGEF e no SICAR, as Terras Indígenas do Estado do Acre em processo de demarcação que sejam áreas formalmente reivindicada por grupos indígenas, áreas em estudo de identificação e delimitação e Terras indígenas delimitadas (com os limites aprovados pela FUNAI).
Além disso, segundo a sentença, a FUNAI foi condenada a manter, no SIGEF e no SICAR, as Terras Indígenas do Estado do Acre em processo de demarcação que sejam terras indígenas declaradas (com os limites estabelecidos pela portaria declaratória do Ministro da Justiça) e Terras indígenas com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados.
O INCRA também deverá considerar no procedimento de análise de sobreposição das Terras Indígenas, além das terras homologadas, terras dominiais indígenas plenamente regularizadas e reservas indígenas, as mesmas áreas que deverão ser mantidas pela FUNAI no SIGEF e SICAR.
Entenda o caso
Com a edição da IN 09/2020, a Funai alterou os critérios para a emissão de Declaração de Reconhecimento de Limites por meio do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), gerido pelo Incra. O documento tem validade legal para atestar que os limites de um determinado imóvel respeitam os limites de terras indígenas. Contudo, a normativa passou a permitir, a proprietários ou possuidores privados de terras, a emissão de tal declaração ainda que o imóvel esteja em qualquer uma das seguintes condições: sobreponha área formalmente reivindicada por grupos indígenas; área em estudo de identificação e delimitação; terra indígena delimitada (com os limites aprovados pela própria Funai), terra indígena declarada (com os limites estabelecidos pela portaria declaratória do ministro da Justiça), e terra indígena com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados.
Desde a edição da norma, em abril do ano passado, a Declaração de Reconhecimento de Limites, emitida pela Funai a partir de análise feita pelo Incra, passou a declarar apenas a sobreposição de terras indígenas homologadas, terras dominiais indígenas plenamente regularizadas e reservas indígenas, desconsiderando todas as demais hipóteses, previstas pela norma anterior (IN 03/2012), que foi revogada.
Ainda em abril de 2020, o MPF emitiu uma recomendação à presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) para que fosse anulada, de forma imediata, a IN 09/2020. A recomendação, assinada por 49 procuradoras e procuradores da República de 23 estados, não foi acatada nem pela Funai e nem pelo Incra.
Em maio de 2020, o MPF moveu ação civil pública no Acre, requerendo uma série de medidas para evitar diversos danos: o retrocesso na proteção socioambiental, o incentivo à grilagem de terras e conflitos fundiários, e a restrição indevida ao direito dos indígenas às suas terras.
Em estudo divulgado pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidade Tradicionais do MPF em junho de 2020, cerca de dez mil propriedades no Brasil inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) – registro público eletrônico de âmbito nacional alimentado pelo Incra e, obrigatório para todos os imóveis rurais – estão sobrepostas a terras indígenas em diferentes fases de regularização ou a áreas com restrição de uso. No Acre, o estudo apontou 132 propriedades.
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