Da
Embrapa
Produtora de farinha de mandioca há muitos anos no município de Mâncio Lima, no Acre, Maria José Maciel, ou Véia como é conhecida na comunidade, ficava desconfiada quando aparecia alguém da Embrapa ou do Sebrae querendo falar sobre o trabalho dela. Eles queriam ensinar sobre as Boas Práticas de Fabricação (BPF) de farinha.
“Quando a técnica do Sebrae chegou lá em casa pela primeira vez chamando para fazer o curso das boas práticas, eu pensei: Lá vem essa mulher, ela acha que eu não sei fazer farinha. Mas depois que eu conheci as BPF, mudei. Vi que eu não sabia zelar a minha farinha como mandava o figurino”, lembra a produtora.
Aprendendo juntas vamos crescer! E assim foi!
Hoje Maria José pode até dar aulas sobre as BPF: “A casa de farinha tem que ser no quintal cercado, não pode ter bicho, nem esmalte nas unhas ou brinco. Temos que usar touca na cabeça e lavar a mandioca em três águas”, explica.
A agricultora investiu na Casa de Farinha, que era “simplesinha”, como ela conta. “Mandei serrar madeira e passei três dias doente carregando ripa, mas cerquei”.
Se valeu o esforço? Ela responde logo: “Agora o consumidor vem comprar na minha casa. Ele percebe as mudanças. Meu produto ficou melhor!”, diz Véia.
Na época que não adotava as Boas Práticas, ela vendia o saco de 50 quilos de farinha a R$ 50 reais no mercado, e agora vende a R$ 120 no quintal de casa!
Além disso, hoje ela faz parte de uma comunidade inteira de produtores de farinha que cresceram juntos. “Tenho orgulho de ser uma produtora que adota as Boas Práticas de Fabricação de farinha, mas essa história não é só minha, foi construída a muitas mãos”, destaca.
Cada vez melhor!
Isso é comprovado no acompanhamento feito por pesquisadores da Embrapa Acre em localidades do Vale do Juruá.
A farinha de mandioca de Cruzeiro do Sul foi a primeira a receber a Indicação Geográfica no Brasil. E os pesquisadores garantem: ela está cada vez melhor!
A prova disso é o resultado das análises das farinhas. Entre 2019 e 2020, as equipes analisaram 79 amostras do produto em toda a região… e o desfecho foi pra lá de bom! 70% do tipo 1
Com pequenos ajustes no processo de fabricação da farinha, conseguiram enquadrar 70% das amostras como Tipo 1, de acordo com a legislação vigente.
Os primeiros encontros foram feitos presencialmente antes da pandemia, regados a muita prosa e café. Isso possibilitou aos produtores uma reflexão sobre a prática utilizada na fabricação da farinha.
As coletas e as análises seguiram em 2020 e os resultados da última análise provaram que a conversa rendeu. Em abril de 2019, quando o trabalho começou, apenas 13% das amostras foram classificado como Tipo 1.
No final, os pesquisadores viram uma melhora significativa na classificação do produto: só 30% ficaram como “Fora do Tipo” e nenhuma amostra foi desclassificada.
A pesquisadora Virgínia Álvares explica que são avaliados aspectos como acidez, teor de fibra bruta e umidade, entre outros.
“Por ser um produto artesanal, ainda há alguns aspectos para se adequarem. Mas é esse saber fazer diferenciado que justifica o selo de Indicação Geográfica. A iniciativa não tem o objetivo de padronizar, mas fazer recomendações importantes para que o produto esteja de acordo com a legislação”.
Estou mais feliz!
“Achei muito interessante ver o resultado da minha farinha porque eu não tinha uma noção tão bem definida sobre os aspectos que foram avaliados”, diz o agricultor José do Nascimento Araújo, conhecido como Lira.
“Estou mais feliz porque passei no teste!” Ele é um dos produtores que adota as Boas Práticas de Fabricação de farinha e teve uma boa classificação nos testes.
Lira foi um dos produtores rurais contemplados pelo Governo do Acre com kits de equipamentos para incrementar a casa de farinha, inclusive um forno mecânico.
Boas Práticas de Fabricação de farinha
De acordo com a Anvisa, as Boas Práticas de Fabricação compõem uma séria de medidas a serem adotadas pelas insdústrias de alimento. Elas têm o objetivo de garantir a qualidade higiênico-sanitária e a conformidade dos alimentos com os regulamentos técnicos.
Sendo a casa de farinha uma indústria de alimentos, não se pode permanecer desconsiderando essas normas pra garantir que a farinha de mandioca seja de alta qualidade e não comprometa a segurança dos consumidores.
A pesquisadora Joana Maria Leite de Souza destaca que a Embrapa tem investido muito em ações de pesquisa e transferência de tecnologias há mais de 15 anos para que hoje tenha esse nível de entendimento por parte dos agricultores. “Como todo processo educativo, o tempo é um dos elementos que faz aumentar a noção de pertencimento por parte deles, da importância de produzir farinha com qualidade”, diz.
“Sem o consentimento, a confiança e a participação dos produtores esse avanço na qualidade da farinha não seria possível”, diz a pesquisadora Virginia.
A apresentação dos resultados da farinha na comunidade do Juruá promoveu uma maior interação com os agricultores. E as análises continuam em 2021 com a parceria do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Governo do Estado do Acre.
Na Embrapa, o trabalho faz parte das ações do Mandiotec, projeto que tem como desafio promover o fortalecimento da cadeia produtiva da mandioca na região Norte para aumento da renda e da qualidade de vida das famílias rurais.
Esse fortalecimento já aconteceu com a Maria José, o Lira e mais um monte de produtores de comunidades do Juruá. Hoje, eles falam com muito mais orgulho da farinha de Cruzeiro do Sul.
“Por isso eu digo que vale a pena o produtor acreditar no seu trabalho. E digo mais: se tiver boas práticas, tem preço, tem mercado”, garante a agricultora Maria José.
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