Documentos internos do Google, obtidos pela agência de notícias Reuters, apontam que a empresa vem atuando para aumentar o controle sobre as pesquisas publicadas pelos seus cientistas, envolvendo Inteligência Artificial (IA). Segundo a reportagem, a companhia estaria solicitando a revisão de tópicos sensíveis e, em pelo menos três situações, solicitou aos autores que dessem um “tom mais positivo” aos estudos, evitando expor a tecnologia sob uma luz negativa.
De acordo com comunicações internas e entrevistas com pesquisadores envolvidos no trabalho, o novo procedimento de revisão do Google amplia a supervisão sobre a sua divisão de IA. A companhia pede que os cientistas consultem as equipes jurídicas, de relações governamentais e de relações públicas antes de abordar tópicos como análise de rosto, sentimento e categorizações de raça, gênero e afiliação política.
Uma das páginas do memorando enviado à equipe de IA afirma que:
As fontes ouvidas pela Reuters afirmam que esse maior controle sobre as pesquisas envolvendo IA começaram em junho deste ano, embora a publicação não tenha conseguido identificar a data de postagem dos documentos.
A reportagem da Reuters afirma que funcionários que trabalharam em um artigo sobre recomendação de Inteligência Artificial, que é usada para personalizar conteúdo em plataformas como o YouTube, foram orientados a “tomar muito cuidado para criar um tom positivo”. Os autores então atualizaram o artigo para “remover todas as referências a produtos do Google”.
Em outra pesquisa sobre o uso de IA, focada na compreensão de línguas estrangeiras, os especialistas “suavizaram uma referência de como o Google Tradutor estava cometendo erros”. A solicitação de alterações teria sido um pedido de revisores que atuam na divisão.
Os procedimentos de revisão que o Google usa como padrão têm o objetivo de garantir que os pesquisadores não revelem inadvertidamente segredos comerciais. No entanto, a revisão dos “tópicos sensíveis” vai além disso. Os funcionários que desejam avaliar os próprios serviços do Google quanto a preconceitos, por exemplo, devem falar com outros departamentos da empresa, como aqueles citados no começo desta matéria. Outros tópicos sensíveis incluiriam ainda a China, COVID-19, Israel, telecomunicações, veículos autônomos, indústria do petróleo, dados de localização, religião e Israel, entre outros.
Quatro pesquisadores da equipe, incluindo a cientista sênior Margaret Mitchell, já disseram acreditar que o Google está começando a interferir em estudos cruciais e que podem causar potenciais danos à tecnologia.
No entanto, o Google afirma em seu site voltado para o público que seus cientistas têm liberdade “substancial”.
A reportagem sobre a suposta interferência do Google sobre as pesquisas envolvendo IA é mais um capítulo de confronto entre a divisão e a alta gerência da empresa. Ela começou no último dia 1º de dezembro, após a demissão repentina de Timnit Gebru, que liderou uma equipe de 12 pessoas focada na ética em software de inteligência artificial (IA).
Gebru afirmou que foi demitida a partir do tratamento que a empresa deu a um artigo que ela havia escrito com seis outros pesquisadores – quatro deles do próprio Google – e que apontava falhas do IA que imita a fala e poderia prejudicar populações marginalizadas. Além disso, essa IA seria usada em uma nova geração de tecnologia de linguagem, incluindo um sistema construído pelo Google que sustenta o mecanismo de busca da empresa.
Após o envio do artigo para uma conferência acadêmica, um gerente do Google exigiu que ela retirasse material o evento ou removesse seu nome e os nomes de outros funcionários da empresa. Ela se recusou a fazer isso e, no e-mail enviado no dia 1º de dezembro, disse que renunciaria ao seu cargo após um período apropriado, se o Google não pudesse explicar por que queria que ela retirasse o documento e respondesse a outras questões.
A empresa respondeu ao seu e-mail, disse ela, dizendo que não poderia atender às suas demandas e que sua renúncia foi aceita imediatamente. Seu acesso ao e-mail do Google e outros serviços foi revogado e a companhia não abriu espaço para mais conversas.
O vice-presidente sênior do Google, Jeff Dean, disse em um comunicado recente que o artigo de Gebru se concentrou em danos potenciais, sem discutir os esforços em andamento para resolvê-los. Ele acrescentou que a companhia apoia a bolsa de estudos de ética em IA e está “trabalhando ativamente para melhorar nossos processos de revisão de artigos, porque sabemos que muitas verificações e balanços podem se tornar complicados”.
Nos últimos anos, o Google incorporou IA em todos os seus produtos. Isso vale para interpretar a realização de pesquisa complexas em seu mecanismo de buscas, decidir recomendações no YouTube e preencher automaticamente frases no Gmail. Seus pesquisadores publicaram mais de 200 artigos no ano passado sobre o desenvolvimento da tecnologia de maneira responsável, entre mais de 1.000 projetos no total.
Sundar Pichai, CEO da Alphabet e do próprio Google, comparou o advento da inteligência artificial ao da eletricidade ou do fogo e disse que a tecnologia é essencial para o futuro da empresa e da computação. No início deste ano, Pichai pediu maior regulamentação e tratamento responsável da inteligência artificial, argumentando que a sociedade precisa equilibrar os danos potenciais com as novas oportunidades.
O Google se comprometeu repetidamente a eliminar o preconceito em seus sistemas. O problema, disse Gebru, é que a maioria das pessoas que tomam as decisões finais é formada por homens. Segundo ela, “eles não estão apenas deixando de priorizar a contratação de mais pessoas de comunidades minoritárias, eles estão reprimindo suas vozes”.
Fonte: Reuters e 25
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